sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Estado do Folclore I

Estava eu a ler um suposto sítio de divulgação e defesa do folclore (http://www.folclore-online.com) quando, por sorte, me encontro na página de opinião de um dos senhores entendidos no tema.

Quem se sentir interessado em dar uma visita e tiver a força de vontade de ler algumas das opiniões dos seus intervenientes, constatará que existem opiniões fundadas, mas na sua maioria (das que tive o prazer de ler) são ilusões do senhor que as escreve... corroboradas pelas suas mentes moldadas àquilo que eu chamo de folclore-à-musical! Isto é, "como se antigamente a vida dos nossos antepassados não passasse de um musical de Filipe La Féria "e fosse irreal existir pobreza, tristeza, cenas menos bonitas (embriaguez, desacatos, etc)... Ora, como os caros leitores já perceberam, a vida antigamente era muito diferente de hoje, mas não deixavam de existir estes problemas da sociedade, que existem... desde sempre! E por tanto, é perfeitamente aceitável que qualquer grupo os pretenda representar, pois não devemos ter vergonha da nossa história. Parece-me impossível que alguem com a minha idade consiga entender isso melhor que outros que são duas ou três vezes mais velhos que eu!

Tudo isto me deixou a pensar no estado da nação folclorista. Em que os seus dirigentes vivem dentro de bolhas. Uns são completamente imunes a todo o tipo de opiniões externas (às vezes, internas) deixando-se levar pela suas considerações folclóricas muitas vezes desprovidas de conhecimento, redundando quase sempre em casos de pura tristeza etnográfica. Quando são questionados sobre o assunto, enfiam a cabeça debaixo da terra ou tecem comentários sobre a não utilização de acessórios como pulseiras, piercings, tatuagens, etc... (Parece sempre melhor dizer o óbvio, que nada dizer...)
Outros, por sua vez, são dotados de opiniões influentes e por vezes sentem-se no direito de usar essa sua influência para tentar destabilizar, ridicularizar e menosprezar o trabalho de muitos outros que se esforçam para manter vivas e fieis as tradições da nossa gente. Infelizmente, isto é feito para promoção (ou por vingança) pessoal e nunca para a melhoria do folclore. E casos há que essas opiniões são ridículas, indo mesmo contra aquilo que é verdade!

No movimento folclórico há que ter espírito aberto para a crítica, mas temos sempre de exigir o respeito que nos é devido. Só assim podemos avançar e tornarmo-nos os verdadeiros arautos da tradição que muitas vezes dizemos ser...

Aqui deixo o email que envio para esse portal, relativamente a esta opinião http://www.folclore-online.com/textos/carlos_gomes/miseria_nao_folclore.html que se dirige ao grupo do qual faço parte e nela o autor acusa de ser gerido por pessoas com "mentes deformadas"...

Aqui está o email:

Boa Tarde,
Tenho lido algumas opiniões sobre folclore neste portal, entre as quais constam as do Sr. Carlos Gomes, nomeadamente esta http://www.folclore-online.com/textos/carlos_gomes/miseria_nao_folclore.html que se refere ao grupo do qual faço parte.

Venho expôr o meu desagrado quanto a esta publicação não querendo deixar de lamentar o número de leitores que certamente ficaram impressionados negativamente sobre a Casa do Concelho de Ponte de Lima e seu grupo folclórico. Ideias estas que colocam em causa o bom nome das pessoas que em Lisboa se esforçam por dignificar e representar a vila mais antiga de Portugal. No referido texto, o autor considera a representação feita pelo grupo folclórico um “degredo humano”, só proveniente de “mentes deformadas” que, segundo o mesmo, não sabem nada de folclore. O que por si só já é ofensivo que chegue e suficiente para não ser considerada uma publicação digna. Devo dizer que a cena retratada é um pequeno desentendimento entre dois homens, um dos quais simulando ter uma pinga a mais. Algo comum e frequente no tempo dos nossos avós, como qualquer pessoa atenta e inteligente concluirá!

Sendo uma das mentes ligadas ao citado projecto, constato que o mesmo opta por transformar uma representação fiel num conto de fadas, em que as realidades sociais da época são ignoradas deliberadamente em prol de um espectáculo vazio e fútil idealizado em tempos que já lá vão. Ao contrário do cronista não tenho, nem têm os elementos do grupo, vergonha de nenhum dos aspectos da sociedade dos séc. XIX/XX e achamos que apresentar apenas a parte rica e alegre da sociedade é insultar o senso comum dos espectadores. O reconhecido etnógrafo Giacometti já há 40 anos pensava assim e o Sr. Carlos Gomes, tanto tempo depois, ainda não conseguiu alcançar um nível cultural capaz de o fazer entender a beleza das mais simples e menos "dignificantes" características populares...

É de estranhar, no entanto, que não teça comentários ao facto deste rancho folclórico não ter quaisquer um dos erros mais frequentes (alguns até falados nas outras crónicas do autor) que por aí se vêem, que vão desde lavradeiras que ostentam riquezas em ouro (que dariam para comprar casas, quintas e gado), moças de pernas descobertas (que achariam os pais delas?), pés a martelarem o palco com toda a força (imagine-se descalços e no chão!), entre outros casos irreais que certamente lhe passam à frente todos os dias mas que, admiravelmente, o seu olho clínico não analisa neste caso por não ser estimulado pelo ódio imensurável que parece ter à Casa do Concelho de Ponte de Lima. Talvez movido por esse sentimento necessita de manifestar o seu desagrado publicamente por uma cena que é real, de modo algum insolente ou desleixada, comum à vida dos nossos antepassados, que qualquer idoso poderá corroborar. É senso comum as rivalidades que haviam entre aldeias, muitas vezes agravadas por cortejos a moças de lugares vizinhos ou, numa romaria, por uma desgarrada mais provocadora, uma pinga em excesso ou por um desacato na compra de gado. Seria apagar um pouco da nossa história se deixássemos estas situações de lado.

Sou, como referi, uma das pessoas ligadas à parte do folclore na respectiva casa, tenho todo o gosto em ouvir e debater ideias que possam vir a melhorar o grupo do qual faço parte. Lamentavelmente, o uso dos conhecimentos folclóricos do cronista é idêntico ao da sua educação. Há uma certa dificuldade em aplicar ambos correctamente…


Infelizmente, talvez por falta de humildade e sensatez, este senhor, que até foi um dos fundadores da Casa do Concelho de Ponte de Lima e que há mais de 15 anos não a frequenta, decidiu expor as suas ideias neste portal (e não só) em vez de se endereçar directamente aos responsáveis, como qualquer sócio activo e preocupado tem o direito e dever de fazer.
Com uma atitude diferente teria todo o gosto em esclarecê-lo sobre as representações do Rancho Folclórico da Casa do Concelho de Ponte de Lima e (talvez) até sobre folclore em geral.
É uma pena, pois este tipo de publicações mancham o trabalho de quem todos os dias luta em prol do folclore nacional!

Para mim é chegada a hora de se acabar com estas situações deprimentes que em nada dignificam o folclore e fazer-se ouvir uma voz mais verdadeira que só pode ser atingida quando todos se decidirem a discutir o folclore na sua essência, sem interesses pessoais, sem guerras...
Para quando?

Cumprimentos,

FIM DO EMAIL

Esta opinião é pessoal e não necessariamente partilhada pelos outros autores d'O Galaico.

10 comentários:

O Galaico disse...

Concordo totalmente e incondicionalmente a opinião do meu colaborador.

Qualquer rancho que represente uma Romaria (quase todos) tem o direito, mais, o DEVER, de a mostrar consoante ela o era.

Querer limitar a parte exibida à encenação de um bailar, cantar e tocar perfeitos é sabotar o propósito teórico destes grupos.

Mais do que isso, o Sr. gomes fez prova de ser um total inconpetente no que toca ao folclore. É mais um daqueles burros velhos que não saem dos cargos apesar de não ter qualquer tipo de habilitação ou capacidade inata para saber o que tem de fazer.

Todo o mundo rural da época era pautado por pobreza, fome e outros aspectos que se tenta esconder das representações etnográficas.

No fundo, só querem mostrar as noivas ricas e os lavradores abastados. Até os trajes de trabalhadores aparecem de Linho de um branco gritante.

Tudo mentiras descaradas. Se no primeiro caso, haviam de facto noivas ricas e trajes daquele tipo, estas de certeza que não eram a maioira da população da aldeia...

O consumo exagerado de Vinho no terreiro da Romaria é perfeitamente representável pelo simples facto que aquele era um dia de exuberancia.

A Romaria era o local da maxima expressao popular, religiosa, profana etc.

Quem não tem capacidade para entender que esta representação é parte da Romaria, não tem simplesmente lugar no folclore.

Muito menos quando insulta os membros da casa que ja frequentou.

Finalmente, importa referir que enquanto os "burros velhos" que jamais aprendem continuarem no folclore, em em todo o lado, agarrados a modelos do estado novo, nada irá para a frente.

A vergonha que esta pessoa tem da sua própria cultura e a insistência em apenas querer mostrar o brilho exagerado dos trajes ricos, é para mim uma anedota.

Pessoas limitadas, sem qualquer capacidade de interpretação e sensibilidade dão me nauseas.

Joana disse...

Qual não é o meu espanto quando, chegando ao fim do dito comentário, me deparo com um asterisco que se refere ao autor do mesmo como Jornalista - Licenciado em História. É triste perceber que pessoas com responsabilidade para com o seu país, que são formadas para mostrar e ensinar a HISTÓRIA do seu povo, pretendam esconder determinadas nuances que fazem toda a diferença para a compreensão de um todo. Deixemos de olhar para o folclore e para a etnografia como uns primos afastados da História, como simples adereços marginais. No tempo do fascismo os ranchos folclóricos vieram realmente para abrilhantar os vários tons de cinzento em que viviamos. Mas os tempos mudaram... e agora há realmente um interesse vivo para aprofundar conhecimentos e ir ao fundo das questões para representar fidedignamente as nossas raízes minhotas. Deixem que os nossos grupos folclóricos cresçam e que sejam também eles a mostrar ao país e além fronteiras a verdadeira essência do povo português nos séculos XIX/XX. Façamos parte da nossa História.

O Galaico disse...

Ola Joana,

Eu sempre defendi que o facto de se ser Licenciado em nada atesta a inteligencia das pessoas.

Assim, os licenciados em Historia não estão certamente aptos para falar em Etnografia e Antropologia como se Deuses académicos o fossem.

Na verdade, na faculdade, tive a cadeira de Antropologia dada por um Antropologo. A de Etnografia deveria ser dada por um Etnografo. A de Arqueologia por um arqueólogo

Assim, um licenciado em História, teoricamente, percebe tanto de folcore como como um calceteiro, um tasqueiro, um advogado ou empregado de mesa.

Percebo no entanto que licenciados em História tenham espedial afecto pelos modelos do Estado Novo já que toda a história que se ensina em Portugal está adulterada e manipulada por aquele governo.

Consequentemente, desprezar encenações que vão para lá da mera componente Baile, Musica e Canto e sua rígida apresentação ao publico, acaba por ser uma reacção natural.

A época onde o estado fazia lavagem cerebral ao povo e apenas queria mostrar as virtudes do povo que vivia "orgulhosamente só", e enaltava as mais valias honrosas da pacata vida camponesa acabou.

Hoje, as pessoas deveriam ter inteligencia suficiente para aceitar como válidas a integração de elementos menos comuns, até então, nos seus modelos de apresentação.

Cerquido disse...

O meu problema com isto é que, para alem de não saberem o que dizem, ainda têm influência sobre o resto das pessoas que às vezes se deixam levar nestas cantigas, que o prezado autor consegue publicar em diversos sítios... inclusive no Cardeal Saraiva. Para mim chega, querem ser burros, que sejam, mas que saiam dos seus poleiros e que deixem de menosprezar o trabalho dos outros. Quem tem vergonha da sua história não é bom português!...

Anónimo disse...

Infelizmente não posso deixar de comentar a ignorancia por parte do senhor Carlos Gomes em referir que é errado o que o dito grupo, a que eu pretenço e com orgulho, representa em Palco. Antigamente, e para informação do senhor Carlos Gomes, a Romaria não era só a parte feliz e perfeita da vida. Tambem havia de facto a Bebida e as Zaragatas resultantes. Acha que antigamente o mundo era perfeito? Não estará a confundir realismo com "mesquinhice"? Em palco o meu grupo representa todas as tradições antigas de uma romaria - Não só a bebida, nem a Zaragata!! Tambem o convivio, a dança, estereotipos sociais da epoca... e por ai diante.
Normalmente costuma-se a dizer que nunca se fala sobre o que não se sabe... sabia?
Afinal não...
Estou indignado pelo seu artigo senhor Carlos Gomes.
Parabens ao autor do post e espero que a mensagem se espalhe!

Anónimo disse...

Completamente de acordo. Mais, dou os meus parabéns por esta frontalidade e sinceridade, algo pouco habitual em pessoas que andam no folclore, quantas vezes por outros interesses, sem nada saberem do assunto sequer. Estou à vontade pois já estive ligado a este campo memorial, como fundador de um Rancho Folclórico (Longra, Felgueiras), por bairrismo e interesse pela memória do passado, como complemento a levantamento que fiz para estudo do qual, mais tarde, resultou a publicação de um volume sobre a História da minha dita região... Ora, por estas razões apontadas aqui e outras coisas, nomeadamente certos oportunismos, acabei por me afastar voluntariamente. Assim sendo, compreendo estas considerações e apoio, pois o folclore precisa de ser mais dignificado e deixar de ser um passatempo, em muitos casos remunerado de modos diversos, senão um mundo à parte.

http://longara.blogspot.com/

VASCO MATOS disse...

é lamentavel que esse sr. licenciado em jornalismo de história se esqueça realmente do nosso passado, mas pode ser que a especialidade dele seja em história espanhola ou qui sá italiana...
o meu avô dizia "lavar a cabeça a ..., é gastar sabão e perder tempo"
não é preciso estudar, é só se lembrar do que ainda hoje os homens fazem pr algumas senhoras, e o que os homens com um copo a mais dizem e fazem.

O nosso folclore necessita de ser preservado, preservado folclore não é só dança, a representação também deve estar sempre presente nos ranchos folcloricos.
No folclore nada se inventa, apenas representamos os nossos antepaçados.

Fernando MC Barros disse...

Subscrevo o Cerquido e todos os outros e enquanto colaborador do BLOG é bom saber que os meus colegas partilham tais opiniões e atitudes.

Já por várias vezes e em diversos locais alertei para estes factos e adverti para a falta de VERDADE ETNOGRÁFICA da maioria dos grupos, uma vez que pretendem em vez de representar a VERDADE, representar um alindamento e uma suposta realidade que na prática nunca existiu.

Apesar de nunca ter visto a referida representação, é sempre bom ver que há cada vez mais grupos à procura de representarem essa mesma verdade etno-folclórica dos nossos antepassados.

Imitá-los / copiá-los nas suas danças, cantares e tocares não basta...e até aí a grande maioria do que por aí se vê não passam de mentiras e invenções do Séc. XX.

O sotaque próprio de cada aldeia, as algazarras, bebedeiras e outras coisas do género, os gestos, as relações interpessoais sao, tudo isso, FOLCLORE (cultura do povo), e toda essa cultura tem que ser representada em todas as vertentes, não apenas numa versão mutilada.

É pena que licenciados em história queiram pretendam que a história seja deturpada.

FERNANDO MC BARROS

Lojinha de Prendas disse...

No seguimento de tudo, o que está escrito e dito, apenas ainda uma coisa fica no ar, e parece efectivamente a razão deste dilema:
esse Sr., se assim se lhe pode chamar, sabe o que quer dizer FOLCLORE?
Será que sabe?
ou simplesmente pensa que sabe e está a confundir com dança...
Fica no ar o dilema...

Cerquido disse...

Só para esclarecer algo que escrevi no meu último comentário. A frase "Quem tem vergonha da sua história não é bom português!..." não significa que devemos ter orgulho em todas as coisas que nós, portugueses, fizemos ao longo da história, pois há obviamente, coisas que são lamentáveis. Não devemos é apagar esses momentos como se nunca tivessem existido. A nossa história é feita de bons e maus momentos. Seria mais correcto se tivesse escrito "Quem renega a sua historia, não é bom portugues!..."
Cumprimentos