O pão de bolota, hoje em dia apenas quase usado de forma ritual druidística e noutras celebrações pagãs, já foi, não vai assim há tanto tempo, o sustento do povo que nos deu a origem.
Antes da introdução do milho Sul Americano ( o local, vulgo milho painço era de qualidade muito inferior e de cultivo difícil ), antes da propagação pelo homem da Castanha e antes das melhorias das técnicas de cultivo, os povos da idade do ferro viviam essencialmente desta fonte alimentar com grande durabilidade.
Citando Estrabão, o geógrafo Grego que visitou a nossa Galécia a mando do império Romano, referiu-se o seguinte:
For two-thirds of the year the mountaineers feed on the acorn, which they dry, bruise, and afterwards grind and make into a kind of bread, which may be stored up for a long period.
(Strabo, Geography, III, 3, 7)
Não é de estranhar que este hábito alimentar tenha perdurado quase até aos nossos dias pois não há milénios que apaguem a memória e o instincto de um povo. Por isso se explica também o facto de existirem quase sempre manchas de "Quercus" de várias espécies juntos aos sanctuários de Montanha do Noroeste do país.
Porquê?
Porque os nossos sanctuários, fundados na sua vasta maioria sobre antigos sítios arqueológicos da idade do Ferro (vulgos Castros, Cividades e Citânias) mantiveram apenas a vegetação local que era essencial à vida das pessoas deste tempo.
Sobreiro secular na Citânia de Briteiros
A importância destas árvores era tanta que o seu valor físico passou para o âmbito do espiritual. Assim sendo, explica-se facilmente porque é que o Carvalho se tornou um símbolo da cultura pagã Celtica ou, melhor dizendo, da cultura Atlântica Europeia.
À falta de tetas de vacas cheias de leite, de ouriços doirados a reluzir sob o sol latente do outono do Noroeste Ibérico, ou de espigueiros (naquele tempo, provavelmente de varas entrançadas como ainda se podem ver nas zonas mais remotas das serras do Alto Minho) cheios de cereal, os nossos amigos Quercus eram, manifestamente, fonte de vida e, inequivocamente, dignos da reverência emocional dos povos.
Ironia pensar que estas árvores, que nos deram vida e sustento, foram acusadas de ser objectos idolatrados de forma pagã sendo o seu culto proibido por São Martinho de Dume logo nos primórdios do Reino Medieval da Galécia. Porém, pelo contrário, adorar estátuas de Santos mudas e frias como a própria morte, apesar de sabermos o que a bíblia nos diz sobre os "ídolos", já foi aceite como regra sem problemas...
Voltando a focar-me no que realmente importa, interessa-me igualmente apontar o facto de que, por norma, os cumes das nossas serras serem naturalmente "carecos". Invariavelmente cheios de afloramentos graníticos, povoados por povo Castrejo que usava as cercanias como pastoreio e um consumo de madeira para o dia a dia, impediam o crescimento intenso de árvores nos topos das serras. Os bosques ficavam-se, por norma, nos vales e a meio dos contrafortes das montanhas por serem mais húmidos e em zonas menos agressivas a nível climático.
Santa Marta das "Cortiças", Falperra, com o seu cume granítico e sobreiros no preciso local onde está a ermida assim como por cima das ruinas do antigo castro e do majestoso Palácio Suevo.
Assim, quando virem um Carvalhal no topo da montanha a envolver um dos nossos muitos sanctuários, lembrem-se de que estas árvores são por ventura filhas das que alimentaram os nossos avós de gerações imemoriais.
Curioso também o facto de se verem muitos sobreiros nestes sítios específicos. O sobreiro, não sendo árvore significante no Noroeste da península (apesar de ser um Quercus, apresenta uma folha pequena e persistente o que, logicamente, vai contra o clima Atlantico-Marítimo do Noroeste), foi cultivada inicialmente por estes povos porque a sua Bolota tem menos taninos.
Por este motivo é muito menos amarga que a do Carvalho Alvarinho e necessita de menos cuidados na sua preparação. Nunca tendo provado acredito pois, quem mo disse, foi uma amiga extremamente versada nestas andanças e que, de forma ritual e também habitual, faz ainda este pão em casa, para seu consumo e da sua família, num apartamento em plena cidade de Braga.
Resumindo, costumo dizer que nessas nossas terras, mandamos um pontapé num calhau e temos história de 2000 anos a contar. Neste caso, cai-nos uma bolota na cabeça e temos antropologia para toda a noite.
No que me toca irei tentar provar esse pão primordial. Além de não ter nenhum tipo de aditivos químicos (isso ainda não chegou aos Quercus perdidos na serra e nas bouças), e sabendo que os melhores porcos são os que comem bolotas em vez de farelo e lavadura, talvez fique eu mesmo mais saboroso e de carne mais tenra!
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-bolota-mostra-o-seu-poder-1689972