terça-feira, 24 de março de 2015

Pão de Bolota - Sustento Primoridal



O pão de bolota, hoje em dia apenas quase usado de forma ritual druidística e noutras celebrações pagãs, já foi, não vai assim há tanto tempo, o sustento do povo que nos deu a origem.

Antes da introdução do milho Sul Americano ( o local, vulgo milho painço era de qualidade muito inferior e de cultivo difícil ), antes da propagação pelo homem da Castanha e antes das melhorias das técnicas de cultivo, os povos da idade do ferro viviam essencialmente desta fonte alimentar com grande durabilidade.
Citando Estrabão, o geógrafo Grego que visitou a nossa Galécia a mando do império Romano, referiu-se o seguinte:

For two-thirds of the year the mountaineers feed on the acorn, which they dry, bruise, and afterwards grind and make into a kind of bread, which may be stored up for a long period.
(Strabo, Geography, III, 3, 7)


Não é de estranhar que este hábito alimentar tenha perdurado quase até aos nossos dias pois não há milénios que apaguem a memória e o instincto de um povo. Por isso se explica também o facto de existirem quase sempre manchas de "Quercus" de várias espécies juntos aos sanctuários de Montanha do Noroeste do país.

Porquê?

Porque os nossos sanctuários, fundados na sua vasta maioria sobre antigos sítios arqueológicos da idade do Ferro (vulgos Castros, Cividades e Citânias) mantiveram apenas a vegetação local que era essencial à vida das pessoas deste tempo.


 Sobreiro secular na Citânia de Briteiros

A importância destas árvores era tanta que o seu valor físico passou para o âmbito do espiritual. Assim sendo, explica-se facilmente porque é que o Carvalho se tornou um símbolo da cultura pagã Celtica ou, melhor dizendo, da cultura Atlântica Europeia.


À falta de tetas de vacas cheias de leite, de ouriços doirados a reluzir sob o sol latente do outono do Noroeste Ibérico, ou de espigueiros (naquele tempo, provavelmente de varas entrançadas como ainda se podem ver nas zonas mais remotas das serras do Alto Minho) cheios de cereal, os nossos amigos Quercus eram, manifestamente, fonte de vida e, inequivocamente, dignos da reverência emocional dos povos.

Ironia pensar que estas árvores, que nos deram vida e sustento, foram acusadas de ser objectos idolatrados de forma pagã sendo o seu culto proibido por São Martinho de Dume logo nos primórdios do Reino Medieval da Galécia. Porém, pelo contrário, adorar estátuas de Santos mudas e frias como a própria morte, apesar de sabermos o que a bíblia nos diz sobre os "ídolos", já foi aceite como regra sem problemas...

Voltando a focar-me no que realmente importa, interessa-me igualmente apontar o facto de que, por norma, os cumes das nossas serras serem naturalmente "carecos". Invariavelmente cheios de afloramentos graníticos, povoados por povo Castrejo que usava as cercanias como pastoreio e um consumo de madeira para o dia a dia, impediam o crescimento intenso de árvores nos topos das serras. Os bosques ficavam-se, por norma, nos vales e a meio dos contrafortes das montanhas por serem mais húmidos e em zonas menos agressivas a nível climático.


Santa Marta das "Cortiças", Falperra, com o seu cume granítico e sobreiros no preciso local onde está a ermida assim como por cima das ruinas do antigo castro e do majestoso Palácio Suevo.

Assim, quando virem um Carvalhal no topo da montanha a envolver um dos nossos muitos sanctuários, lembrem-se de que estas árvores são por ventura filhas das que alimentaram os nossos avós de gerações imemoriais.

Curioso também o facto de se verem muitos sobreiros nestes sítios específicos. O sobreiro, não sendo árvore significante no Noroeste da península (apesar de ser um Quercus, apresenta uma folha pequena e persistente o que, logicamente, vai contra o clima Atlantico-Marítimo do Noroeste), foi cultivada inicialmente por estes povos porque a sua Bolota tem menos taninos.

Por este motivo é muito menos amarga que a do Carvalho Alvarinho e necessita de menos cuidados na sua preparação. Nunca tendo provado acredito pois, quem mo disse, foi uma amiga extremamente versada nestas andanças e que, de forma ritual e também habitual, faz ainda este pão em casa, para seu consumo e da sua família, num apartamento em plena cidade de Braga.

Resumindo, costumo dizer que nessas nossas terras, mandamos um pontapé num calhau e temos história de 2000 anos a contar. Neste caso, cai-nos uma bolota na cabeça e temos antropologia para toda a noite.

No que me toca irei tentar provar esse pão primordial. Além de não ter nenhum tipo de aditivos químicos (isso ainda não chegou aos Quercus perdidos na serra e nas bouças), e sabendo que os melhores porcos são os que comem bolotas em vez de farelo e lavadura, talvez fique eu mesmo mais saboroso e de carne mais tenra!

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-bolota-mostra-o-seu-poder-1689972

sexta-feira, 13 de março de 2015

"Região Norte quer valorizar património castrejo"


Notícia positiva mas que peca por tão tardia como a preservação dos mais de dois mil sítios totalmente  abandonados.

Uma cultura única faz-se, recorda-se e vende-se protegendo-a na integridade para que os povos locais se consigam identificar no tempo e na geografia dispersa do que hoje é a globalização.

Uma dúzia de sítios históricos ligados é uma velha conversa com uma década de teoria. Veremos no que dá mas, pessoalmente, não trago muitas esperanças que a genuinidade única desta nossa civilização seja convenientemente promovida como a real marca de identificação das nossas gentes e do nosso território histórico e arqueológico.

Tudo menos que isso é, no que me toca, será trabalho incompleto





 
"Rede de Castros do Noroeste foi formalizada esta quinta-feira, um ano e meio depois do seu lançamento, com 12 sítios dos mais de dois mil existentes só no Norte de Portugal.".

"Onze municípios do Norte do país formalizaram esta quinta-feira com a Direcção Regional de Cultura a institucionalização da Rede de Castros do Noroeste, reactivando um projecto de colaboração pensado desde 2004 e lançado há ano e meio. A partir de agora, a rede tem um regulamento de funcionamento e de adesão de novos membros, e prepara-se para buscar nos fundos europeus capital para investir em acções científicas e de divulgação do património castrejo da região.

Os municípios de Boticas (Castro do Lesenho), Esposende (São Lourenço), Monção (São Caetano), Paços de Ferreira (Sanfins), Penafiel (Monte Mozinho), Póvoa de Varzim (Cividade de Terroso) , Santo Tirso (Castro do Padrão), Trofa (Alvarelhos) e Vila do Conde (Bagunte), e a Sociedade Martins Sarmento, de Guimarães (que gere a citânia de Briteiros) são, com a Direcção Regional de Cultura, que tutela a Citânia de Santa Lúzia, de Viana do Castelo, os fundadores da Rede de Castros do Noroeste. Que apesar do nome, se cinge, para já, ao território português

Desde 2004 que especialistas na área – como o arqueólogo Paulo Costa Pinto, Armando Coelho Ferreira da Silva ou Francisco Sande Lemos – vinham defendendo a necessidade de valorizar, numa rede luso-galaica, o património castrejo, dada a singularidade de, por toda esta região da península existirem mais de sete mil assentamentos humanos proto-históricos conhecidos. Aquando da chegada dos romanos a esta parte da Europa, a paisagem era dominada por estas urbes fortificadas, de planta circular ou rectangular, construídas no cimo dos montes.

A rede agora formalizada apenas inclui parceiros portugueses e deixou de parte, para já, a ideia, apontada há uma década, de candidatar este património à UNESCO. Dadas as disparidades no trabalho de investigação arqueológica, e de criação de condições de divulgação e visitação, os promotores vão concentrar-se em procurar, através do Portugal 2020, fundos para valorizar este património, e alargar o grupo a outros municípios interessados em prosseguir o mesmo caminho. Só mais tarde, admitiu no director da DRCN, se analisará se o trabalho realizado permite ambicionar essa inscrição na lista de património mais famosa do mundo.

Nesta sessão, no Palacete Allen, no Porto, a presidente da Câmara de Vila do Conde, Elisa Ferraz, revelou que o município conseguiu na semana passada a posse dos cerca de 18 hectares de terreno onde está implantada a cividade de Bagunte, na freguesia homónima deste concelho, depois de mais de seis décadas de negociações difíceis, com intervenção judicial.

O diferendo vinha impedindo a autarquia de fazer investimentos de fundo - fosse em acessos ou num centro de interpretação condigno – neste castro, um dos oito existentes no território de Vila do Conde, como explicou o arqueólogo Pedro Brochado. Resolvida a questão da propriedade, vai ser possível fazer campanhas de escavações mais alargadas e apresentar candidaturas a fundos comunitários para outros equipamentos e infraestruturas, no âmbito da rede agora constituída.

António Ponte espera que este trabalho em rede permita sinergias e partilha de recursos entre os vários municípios, de modo a aumentar o conhecimento existente sobre este património. Ao mesmo tempo, os promotores esperam que a divulgação conjunta destes espaços possa aumentar o número de visitantes e o impacto na economia local."

In: http://www.publico.pt/local/noticia/regiao-norte-quer-valorizar-patrimonio-castrejo-1688966