Como todos os anos, as noites de inverno á lareira são propícias a conversas mais longas. Invariavelmente, talvez devido ao inevitável sentido ritual que o fogo transmite aos Humanos, a conversa ruma ao passado. Cruza as tempestuosas histórias e lembranças de outros tempos e amarra, caso as marés da vontade estejam propícias, nos contos, lendas ou mistérios que nunca ninguém conseguiu explicar.
O relato que aqui vou narrar foi me contado por vários membros da família incluindo a pessoa que passou pela experiência. No que me toca, atesto pelas suas honras! Todos são membros respeitáveis da sociedade. Daquelas que vem da última geração de pessoas honradas, que metem a mesma á frente de todas as decisões que tomam na vida. A bem,ou a mal...
Certo dia, há cerca de 25 anos em Agosto, um homem vinha da casa de uns familiares onde tinha passado o serão na companhia de muitos primos e amigos que, nesta temporada estival, recuperavam no seu país natal dos males da saudade e do trabalho.
Pelo caminho que, naquela época, ainda não era mais do que um carreiro ladeado de valados e árvores de enforcado, podia-se ainda espreitar a vastidão dos campos e os imponentes contra fortes da serra que não tinham começado ainda a sofrer os malefícios das construções das mal afamadas "favelas dos ricos".
Os extensos milherais a aproximarem-se rapidamente da maturidade precisavam de rega regular pelo que o mesmo carreiro transformava-se, á noite, num riacho quase intransitável. Com algum custo, mas com a experiência do seu lado, o homem saltitava entre as poças de água tentando evitar, através da penumbra, os regos e as "bostas" dos animais. Sem qualquer problema de maio, ultrapassou a parte do caminho mais alagado acedendo a uma outra porção do mesmo onde a calçada era mais digna. Isso sem dúvida por se aproximar do casario do senhor que dominava aquelas férteis terras do vale.
Andava assim o homem despreocupado, na sua moderada mas sincera felicidade, até que começou a aproximar-se do chamado "Portão do Diabo". Esse é um portão aparentemente normal. Cor de sangue, antigo, com algum trabalhado ornamental e uma fechadura que, dizem os mais antigos, nunca teria sido aberta. De facto, aquele portão era (e é) estranho.
Apesar da sua fisionomia ser normal, a sua localização é do mais intrigante. A parede de pedra que compõe a cerca do edifício é de repente interrompida por esse objecto de metal sem qualquer razão aparente. Atrás dele não se encontra nada. Nem portão, nem pátio, nem caminho.
Apenas uma singela e rara (na região) árvore de fruto. Uma Romãzeira.
Atenção caros leitores, o "Portão do Diabo", há muito tem esse nome. Nem os meus avós me souberam dizer o porquê desta designação porque, quando eles nasceram, já ali estava a quinta e já o portão tinha o mesmo apelido. Já nesse tempo era olhado com desconfiança tanto pela sua localização como pelas estranhas coisas que se passavam tempos a tempos nas suas proximidades.
Para o homem em questão, todas essas questões não eram do seu interesse. Como pai de família jovem e valoroso nunca se tinha deixado embalar pelos delírios das velhotas da aldeia e, o maior susto que ele jamais tinha apanhado, acabou por se revelar como sendo o barulho do coveiro a acabar de enterrar um caixão numa noite de inverno. No dia seguinte a essa "manifestação do além", todos diziam que o Morto tinha querido sair do mundo das Almas e inúmeros foram os que juraram ter ouvido todo o tipo de sons no cemitério naquela noite. O homem riu-se da parvoíce de toda a gente mas não disse nada. Aos parolos as parolices!
Essa escura noite de verão, porém, não era como as outras. Ou melhor, começou como as outras e estava prestes a terminar como qualquer uma. Prestes a chegar a casa, a humidade que exalavam os milherais abrasados de dia pelo calor e regados á fresca da noite era óptima para a vida animal. Pássaros noctívagos, grilos, gatos, cães, outros mamíferos e insectos de todas os tamanhos e feitios, aproveitavam a riqueza da terra para cantar ao mundo os seus lamentos e alegrias.
Ia distraído o homem a ouvir inconscientemente a melodia da Natureza quando, ao chegar perto do idoso portão, reparou num estranho silêncio. Um silêncio repentino que não era normal e que soava ruidosamente a falso. Os seus passos, que até agora tinham andado mudos, começaram subitamente a fazer imenso barulho. Ou pelo menos, o som normal que provocavam, entoava inquietantemente na inesperada calmaria do momento.
Muitas vezes repito que apenas aqueles que já andaram de noite, imersos no mundo rural, isto é, naquele mundo antigo onde não havia ainda luz pública e onde a maioria das habitações apenas dispunham de iluminação a petróleo ou vela, é que podem entender o que, por vezes, vai na cabeça de um caminhante da noite.
Por muito corajoso que ele seja, haverá sempre um dia ou outro em que, por qualquer motivo, irá sentir um arrepio pelas costas abaixo, sentir um par de olhos pousado na nuca e adivinhar por entre a vegetação uma qualquer entidade por ventura imaginária. O ser humano receia o escuro. Não há nada a fazer. E os corajosos são os que enfrentam os receios pois, os que nunca tem medo, são os loucos e os mentirosos.
Assim sendo, o homem avançava céptico em direcção a casa. Engolindo em seco, tentou convencer-se do óbvio, ou seja, de que ali apenas estava um caminho escuro e que, se estava um silêncio de Morte, é porque a Natureza também dorme.
No entanto, quando chegou ao nível do "Portão do Diabo", para seu terror mas, incompreensivelmente, não ficando surpreendido, sentiu algo à volta do pescoço a aperta-lo e empurra-lo contra a cancela. Abismado com o que lhe estava a acontecer, teve o reflexo de levar as mãos aos braços imaginários do agressor tentando defender-se. No entanto, não teve obteve uma resposta material á força que o estrangulava.
Durante uns segundos foi deixado em paz. Ficou de cócoras a tremer contra o portão até o impulso natural da sobrevivência surgir com toda o poder de uma violenta descarga de adrenalina.
No entanto, mal se levantou e deu o primeiro passo, sentiu de novo aquele pesado poder a envolve-lo como se de um abraço mortal se tratasse. Mais uma vez foi atirado contra o portão mas, desta vez, a pressão exercida não abrandou. Ficou aplacado contra o ferro do portão, de bicos de pés faltando-lhe cada vez mais o ar.
Numa tentativa de se libertar do que quer que fosse que o oprimia, segurou-se com o seu braço direito a um cano de uma videira que pendia de dentro da propriedade. Puxando com todas as suas forças foi-se deslocando alguns centímetros. Instintivamente, a sua reacção foi a de se afastar do portal demoníaco.
A força maléfica, pareceu entender as suas intenções e redobrou de intensidade. O corpo do homem ficou cada vez mais comprimido contra o metal frio dando a sensação de que a entidade que o assolava queria que ele se fundisse com o portão.
Num último esforço, o homem conseguiu rodar sobre si mesmo e ficar agora com a face colada á cancela. Esta nova posição fez com que ficasse com mais força para se agarrar aos ramos que segurava. Numa última contracção dos músculos antes de ficar sem forças, conseguiu por parte do corpo fora da área do portão. Imediatamente sentiu que os membros que se encontravam fora da sua área ficaram libertos da pressão exercida. O ânimo desta constatação fez com que saísse rapidamente da zona maldita.
Mal conseguiu caiu desamparado e ficou, ofegante, uns largos minutos encostado á parede a chorar. Transtornado, levantou-se a custo e regressou titubeando pelo caminho de onde veio.
Os familiares, surpreendidos e incrédulos com o estado em que se encontrava o Homem, tentaram a custo aceitar o que ele lhes contava. Por um lado estava a palavra de uma familiar sincero e honesto. A sua cara, lívida, era igualmente um testemunho factual de um acontecimento anormal. No entanto, do outro, está a razão e o raciocínio lógico do ser Humano que procurava outras explicações para o sucedido.
Alguns dos homens, à procura de algum sinal do que poderia ter acontecido, deslocaram-se correndo até ao local da cena. Daí, apenas recolheram o relógio do homem que se encontrava partido no meio do caminho. Os mesmos homens tiveram de acompanhar o seu familiar até casa, dando a volta á freguesia para não ter de cruzar aquele caminho de novo.
Ainda hoje, 25 anos depois, o homem em causa recusa passar a pé por esse portão. E, de noite, nem de carro o faz.
Na altura, a notícia espalhou-se pela freguesia. Uns diziam que o Portão voltou á vida e que era preciso levar lá um padre para fazer um exorcismo. Outros diziam que isso aconteceu porque o padre da freguesia, tentando combater os heréticos, deixou de levar o compasso Pascal ao portão. De facto, os padres anteriores sempre o benziam e os problemas nunca surgiam. Outros ainda, afirmavam que tudo eram historias de embalar e que, sustos, nunca tinham tido e nunca iriam ter.
Por entre estas conversas, uma das mais velhas pessoas da terra, uma idosa que sempre viveu solteira no seu casebre de pedra, contou uma estranho pormenor sobre o portão e o que o envolve.
Segundo ela, os primeiros donos da quinta, aquando a sua construção, procuravam o melhor local para escavar um poço. Para tal obra mandaram antes de mais chamar o mudo da terra. Esse mudo fora uma pessoa singular que, pelo que contava a velhota, tinha sido o melhor enxertador da região e o único a ainda encontrar as veias de água graças apenas a um galho de oliveira.
Andando o mudo a percorrer os terrenos imediatos da casa, foi ter ao local do portão que, nesse tempo, ainda não existia. Conta a lenda que a reacção do galho de oliveira foi tão violenta e inesperada que o mudo ficou assustado com as características do lugar. Água teria de certeza. Porém teria ainda algo mais! Qualquer coisa emanava daquele sítio.
O mudo, no mundo dele, na razão que só ele entende e que só ele desenvolveu através de uma vida de meditação, tomou uma estranha opção. Depois de se ter ausentado uns dias voltou com uma pequena Romãzeira. Árvore que, segundo os mais entendidos, é extremamente difícil de criar e que, na nossa região, só as terras mais ricas podem sustentar.
A Romãzeira, tal como previa o mudo pegou. Ainda hoje existe atrás do portão que foi colocado para que as pessoas não frequentassem aquele lugar. Mais estranho ainda foi o que a velhota disse em seguida. Segundo ela, quem costuma comer Romãs são os pássaros do inferno (Fénix?). Quando tem fome, andam á volta dela e protegem-na. Quando estão cheias, desaparecem até um dia voltar.
Fascinante de facto as histórias que os nossos antepassados nos legavam. Mitos? Factos inexplicáveis? Lendas? Realidade? Quem sabe?
Ainda á lareira, discutíamos apaixonadamente essas questões quando um de entre nós exclamou:
"Certo certo é o Vinho! Depois dele o ter bebido naquela festa, tanto ou mais quanto eu, por certo andava aos encontrões ás paredes. Muitas vezes fiquei eu a descansar nos valados! Diabo? Qual diabo! O Diabo que ia com ele estava-lhe nas veias! Era o Vinho"
Acreditemos no que quisermos, a verdade é que a maneira de explicar a realidade dos antigos era muito mais poética e interessante...
O relato que aqui vou narrar foi me contado por vários membros da família incluindo a pessoa que passou pela experiência. No que me toca, atesto pelas suas honras! Todos são membros respeitáveis da sociedade. Daquelas que vem da última geração de pessoas honradas, que metem a mesma á frente de todas as decisões que tomam na vida. A bem,ou a mal...
Certo dia, há cerca de 25 anos em Agosto, um homem vinha da casa de uns familiares onde tinha passado o serão na companhia de muitos primos e amigos que, nesta temporada estival, recuperavam no seu país natal dos males da saudade e do trabalho.
Pelo caminho que, naquela época, ainda não era mais do que um carreiro ladeado de valados e árvores de enforcado, podia-se ainda espreitar a vastidão dos campos e os imponentes contra fortes da serra que não tinham começado ainda a sofrer os malefícios das construções das mal afamadas "favelas dos ricos".
Os extensos milherais a aproximarem-se rapidamente da maturidade precisavam de rega regular pelo que o mesmo carreiro transformava-se, á noite, num riacho quase intransitável. Com algum custo, mas com a experiência do seu lado, o homem saltitava entre as poças de água tentando evitar, através da penumbra, os regos e as "bostas" dos animais. Sem qualquer problema de maio, ultrapassou a parte do caminho mais alagado acedendo a uma outra porção do mesmo onde a calçada era mais digna. Isso sem dúvida por se aproximar do casario do senhor que dominava aquelas férteis terras do vale.
Andava assim o homem despreocupado, na sua moderada mas sincera felicidade, até que começou a aproximar-se do chamado "Portão do Diabo". Esse é um portão aparentemente normal. Cor de sangue, antigo, com algum trabalhado ornamental e uma fechadura que, dizem os mais antigos, nunca teria sido aberta. De facto, aquele portão era (e é) estranho.
Apesar da sua fisionomia ser normal, a sua localização é do mais intrigante. A parede de pedra que compõe a cerca do edifício é de repente interrompida por esse objecto de metal sem qualquer razão aparente. Atrás dele não se encontra nada. Nem portão, nem pátio, nem caminho.
Apenas uma singela e rara (na região) árvore de fruto. Uma Romãzeira.
Atenção caros leitores, o "Portão do Diabo", há muito tem esse nome. Nem os meus avós me souberam dizer o porquê desta designação porque, quando eles nasceram, já ali estava a quinta e já o portão tinha o mesmo apelido. Já nesse tempo era olhado com desconfiança tanto pela sua localização como pelas estranhas coisas que se passavam tempos a tempos nas suas proximidades.
Para o homem em questão, todas essas questões não eram do seu interesse. Como pai de família jovem e valoroso nunca se tinha deixado embalar pelos delírios das velhotas da aldeia e, o maior susto que ele jamais tinha apanhado, acabou por se revelar como sendo o barulho do coveiro a acabar de enterrar um caixão numa noite de inverno. No dia seguinte a essa "manifestação do além", todos diziam que o Morto tinha querido sair do mundo das Almas e inúmeros foram os que juraram ter ouvido todo o tipo de sons no cemitério naquela noite. O homem riu-se da parvoíce de toda a gente mas não disse nada. Aos parolos as parolices!
Essa escura noite de verão, porém, não era como as outras. Ou melhor, começou como as outras e estava prestes a terminar como qualquer uma. Prestes a chegar a casa, a humidade que exalavam os milherais abrasados de dia pelo calor e regados á fresca da noite era óptima para a vida animal. Pássaros noctívagos, grilos, gatos, cães, outros mamíferos e insectos de todas os tamanhos e feitios, aproveitavam a riqueza da terra para cantar ao mundo os seus lamentos e alegrias.
Ia distraído o homem a ouvir inconscientemente a melodia da Natureza quando, ao chegar perto do idoso portão, reparou num estranho silêncio. Um silêncio repentino que não era normal e que soava ruidosamente a falso. Os seus passos, que até agora tinham andado mudos, começaram subitamente a fazer imenso barulho. Ou pelo menos, o som normal que provocavam, entoava inquietantemente na inesperada calmaria do momento.
Muitas vezes repito que apenas aqueles que já andaram de noite, imersos no mundo rural, isto é, naquele mundo antigo onde não havia ainda luz pública e onde a maioria das habitações apenas dispunham de iluminação a petróleo ou vela, é que podem entender o que, por vezes, vai na cabeça de um caminhante da noite.
Por muito corajoso que ele seja, haverá sempre um dia ou outro em que, por qualquer motivo, irá sentir um arrepio pelas costas abaixo, sentir um par de olhos pousado na nuca e adivinhar por entre a vegetação uma qualquer entidade por ventura imaginária. O ser humano receia o escuro. Não há nada a fazer. E os corajosos são os que enfrentam os receios pois, os que nunca tem medo, são os loucos e os mentirosos.
Assim sendo, o homem avançava céptico em direcção a casa. Engolindo em seco, tentou convencer-se do óbvio, ou seja, de que ali apenas estava um caminho escuro e que, se estava um silêncio de Morte, é porque a Natureza também dorme.
No entanto, quando chegou ao nível do "Portão do Diabo", para seu terror mas, incompreensivelmente, não ficando surpreendido, sentiu algo à volta do pescoço a aperta-lo e empurra-lo contra a cancela. Abismado com o que lhe estava a acontecer, teve o reflexo de levar as mãos aos braços imaginários do agressor tentando defender-se. No entanto, não teve obteve uma resposta material á força que o estrangulava.
Durante uns segundos foi deixado em paz. Ficou de cócoras a tremer contra o portão até o impulso natural da sobrevivência surgir com toda o poder de uma violenta descarga de adrenalina.
No entanto, mal se levantou e deu o primeiro passo, sentiu de novo aquele pesado poder a envolve-lo como se de um abraço mortal se tratasse. Mais uma vez foi atirado contra o portão mas, desta vez, a pressão exercida não abrandou. Ficou aplacado contra o ferro do portão, de bicos de pés faltando-lhe cada vez mais o ar.
Numa tentativa de se libertar do que quer que fosse que o oprimia, segurou-se com o seu braço direito a um cano de uma videira que pendia de dentro da propriedade. Puxando com todas as suas forças foi-se deslocando alguns centímetros. Instintivamente, a sua reacção foi a de se afastar do portal demoníaco.
A força maléfica, pareceu entender as suas intenções e redobrou de intensidade. O corpo do homem ficou cada vez mais comprimido contra o metal frio dando a sensação de que a entidade que o assolava queria que ele se fundisse com o portão.
Num último esforço, o homem conseguiu rodar sobre si mesmo e ficar agora com a face colada á cancela. Esta nova posição fez com que ficasse com mais força para se agarrar aos ramos que segurava. Numa última contracção dos músculos antes de ficar sem forças, conseguiu por parte do corpo fora da área do portão. Imediatamente sentiu que os membros que se encontravam fora da sua área ficaram libertos da pressão exercida. O ânimo desta constatação fez com que saísse rapidamente da zona maldita.
Mal conseguiu caiu desamparado e ficou, ofegante, uns largos minutos encostado á parede a chorar. Transtornado, levantou-se a custo e regressou titubeando pelo caminho de onde veio.
Os familiares, surpreendidos e incrédulos com o estado em que se encontrava o Homem, tentaram a custo aceitar o que ele lhes contava. Por um lado estava a palavra de uma familiar sincero e honesto. A sua cara, lívida, era igualmente um testemunho factual de um acontecimento anormal. No entanto, do outro, está a razão e o raciocínio lógico do ser Humano que procurava outras explicações para o sucedido.
Alguns dos homens, à procura de algum sinal do que poderia ter acontecido, deslocaram-se correndo até ao local da cena. Daí, apenas recolheram o relógio do homem que se encontrava partido no meio do caminho. Os mesmos homens tiveram de acompanhar o seu familiar até casa, dando a volta á freguesia para não ter de cruzar aquele caminho de novo.
Ainda hoje, 25 anos depois, o homem em causa recusa passar a pé por esse portão. E, de noite, nem de carro o faz.
Na altura, a notícia espalhou-se pela freguesia. Uns diziam que o Portão voltou á vida e que era preciso levar lá um padre para fazer um exorcismo. Outros diziam que isso aconteceu porque o padre da freguesia, tentando combater os heréticos, deixou de levar o compasso Pascal ao portão. De facto, os padres anteriores sempre o benziam e os problemas nunca surgiam. Outros ainda, afirmavam que tudo eram historias de embalar e que, sustos, nunca tinham tido e nunca iriam ter.
Por entre estas conversas, uma das mais velhas pessoas da terra, uma idosa que sempre viveu solteira no seu casebre de pedra, contou uma estranho pormenor sobre o portão e o que o envolve.
Segundo ela, os primeiros donos da quinta, aquando a sua construção, procuravam o melhor local para escavar um poço. Para tal obra mandaram antes de mais chamar o mudo da terra. Esse mudo fora uma pessoa singular que, pelo que contava a velhota, tinha sido o melhor enxertador da região e o único a ainda encontrar as veias de água graças apenas a um galho de oliveira.
Andando o mudo a percorrer os terrenos imediatos da casa, foi ter ao local do portão que, nesse tempo, ainda não existia. Conta a lenda que a reacção do galho de oliveira foi tão violenta e inesperada que o mudo ficou assustado com as características do lugar. Água teria de certeza. Porém teria ainda algo mais! Qualquer coisa emanava daquele sítio.
O mudo, no mundo dele, na razão que só ele entende e que só ele desenvolveu através de uma vida de meditação, tomou uma estranha opção. Depois de se ter ausentado uns dias voltou com uma pequena Romãzeira. Árvore que, segundo os mais entendidos, é extremamente difícil de criar e que, na nossa região, só as terras mais ricas podem sustentar.
A Romãzeira, tal como previa o mudo pegou. Ainda hoje existe atrás do portão que foi colocado para que as pessoas não frequentassem aquele lugar. Mais estranho ainda foi o que a velhota disse em seguida. Segundo ela, quem costuma comer Romãs são os pássaros do inferno (Fénix?). Quando tem fome, andam á volta dela e protegem-na. Quando estão cheias, desaparecem até um dia voltar.
Fascinante de facto as histórias que os nossos antepassados nos legavam. Mitos? Factos inexplicáveis? Lendas? Realidade? Quem sabe?
Ainda á lareira, discutíamos apaixonadamente essas questões quando um de entre nós exclamou:
"Certo certo é o Vinho! Depois dele o ter bebido naquela festa, tanto ou mais quanto eu, por certo andava aos encontrões ás paredes. Muitas vezes fiquei eu a descansar nos valados! Diabo? Qual diabo! O Diabo que ia com ele estava-lhe nas veias! Era o Vinho"
Acreditemos no que quisermos, a verdade é que a maneira de explicar a realidade dos antigos era muito mais poética e interessante...
10 comentários:
É uma história muito interessante.
Sabes, no mundo minhoto há uma velha tradição superticiosa que me parece ter a ver com esta tua história. Quando alguém se quer ver livre de um espírito, leva um alqueire de milho ou trigo a um lugar ermo e deixa-o lá, para que o pássaro/espírito fique por lá a comê-lo e não incomode mais. Na crença popular minhota, segundo Consigliere Pedroso - que é quem nos fala desta tradição - é comum a imagem de espírito na forma de pássaro.
Neste tipo de exorcismo podia usar-se milho, trigo, painço, etc., mas necessariamente tinham que ser muitos grãos.
A romã é uma fruta que se enquadra nesta perspectiva. Parece-me coerente com a ideia antiga do exorcismo através dos grãos.
Olá Maria,
Bem, nessa lenda não duvido da parte em que o Vedor tenha plantado a Romãzeira naquele local por uma razão específica. Nem duvido de que esta parte da história seja real.
Os Vedores são pessoas muito estranhas. Ainda hoje conheço um velhinho que tinha esse papel. Foi ele que indicou onde fazer o poço na casa de um tio meu.
A primeira vista, a sua procura parece um acto inocente sem valor além da ingenuidade popular. Depois, ouvindo bem as suas experiências acho que é bem mais profundo do que isso. E por fim, encontra sempre água. Bem que, por essas terras, até escavando no granito pode encontra-la ;)
Bom, no entanto, admito que não me custa acreditar que o Vedor, tendo tido más sensações quanto aquele local tenha plantado uma árvore que, segundo a sua herança supersticiosa/folclórica, lhe permitisse "desinfectar" aquele local.
Agora, eventualmente, as histórias de acontecimentos podem ter sido criadas posteriormente usando o facto do antigo Vedor achar que era um local mau.
Ou quem sabe, pode ser que tivesse razão! ;D
Boas!
Este portão é em Sta Cristina? Onde? Gostava de lá ir :)
Muito boa a história, como tantas outras que conheço... Nunca ouviste a da Igreja de S. Lourenço?
Abraço
Olá Cátia Marina,
Esse portão fica no seguimento do caminho retratado numa das fotos que ilustra a história.
História da Igreja de São Lourenço?
Acho que não conheço mas sou todos ouvidos. Se quiseres, usa o meu e-mail de perfil.
Cumprimentos
Olá.
O comentário foi enviado erradamente com o perfil do google da Cátia Marina.
O meu nome é Pedro Mendes e sou um dos "berlinenses" que por cá passa.
A história da igreja de S. Lourenço é relativamente simples. Ouvi-a vezes e vezes sem conta. A primeira vez que ouvi foi contada por uns amigos com quem jogava futebol. Contavam a história como se tivessem eles a passar por tal situação, mas suspeito que a terão ouvido e contado como deles. Éramos miúdos :)
Reza então a lenda, que nunca ousei comprovar, que quem vai a S. Lourenço em noites de lua cheia, e começa a dar voltas à igreja, ao completar a sétima volta no canto direito da parte traseira da mesma, o único sem ângulo de visão para qualquer lado, é preso por algo ou alguma força invisível, e presenteado com sete estalos.
Não sei a origem nem sequer a lógica deste dito, mas sei que muita gente afirma ter presenciado tal situação. Fiquei inclusivamente com a ideia, que não posso comprovar, que antigamente, grupos de jovens homens se organizavam para fazer tal prova.
Já agora aproveito para dizer que gosto muito do blog. Orgulho-me das minhas raízes, e este cantinho é um regalo para os que como eu gostam destas lindas terras em que vivemos.
Abraço
Olá Pedro!
Muito interessante esta história da Igreja de São Lourenço. Aquele local tem imensas histórias.
Uma delas hei de usar noutro conto. Foi me contada por uma tinha minha (família dos Bebe Água) que morou na casa velha que está a ser recuperada que fica mesmo do lado esquerdo ao virar para da estrada municipal para a Igreja.
Jurou-me ela, e as suas irmãs que viram coisas absolutamente inexplicáveis e que, ainda hoje, sentem arrepios ao se lembrarem daquilo.
Outra particularidade daquela zona de barranco é a existência da escola com o nome do conde Agro Longo. Conde muito importante na época e que deu a uma famosa praça no centro de Braga.
Segundo alguns arqueólogos, os Longos, como povo que viviam nessas bandas, desciam das serras e iam queimar em ritual parte da colheita aos Deuses nesse local. Daí o nome AGRO LONGOS.
Não é de todo descabido relacionar essas queimas com o facto de ser ali nessa mesma zona que se queimava o Arturinho no Carnaval...
Perto dali fica igualmente os "Quatros Irmãos" que, sendo uma sepultura de guerreiros da 1ª dinastia, tem também forte peso na herança cultural daquele lugar.
Acerca da lenda em causa, parece me de facto ter o mesmo substrato do que aquela que narrei. Frequentemente, as lendas repetem-se havendo quem jure sempre ter acontecido naquele sítio.
Outro conto que escrevi diz respeito a um forte vendaval inexplicável que assustava as pessoas e que quebrava o milho todo pelo seu caminho.
Essa foi me confirmada por pessoas de diversas localidades da zona, de gerações diferentes e que nem sequer se conheciam.
Encontrei num site que compila lendas populares, a mesma lenda também originária do concelho mas levantada há muitos anos.
Acredite-se ou não nas lendas em si, o facto de elas se repetirem nas proximidades atesta a veracidade do valor das mesmas e pertença ao património memorial e etnográfico das regiões em causa.
E tantas outras haverão por aí, esquecidas para sempre...
Olá.
A propósito das sete voltas à igreja de S. Lourenço (em Longos?), bem, já me falaram da velha tradição das sete voltas à estátutua de S. Longuinhos, no Bom Jesus, por aqueles que se querem casar.
É claro que isto faz lembrar a reverencial volta do sol, junto às pedras sagradas. Estas voltas normalmente eram em número de três. E ainda se fazem em muitas das nossas procissões actuais, à volta de igrejas construidas no lugar de antigos templos pagãos.
O medo induzido pelos sete estalos dados por mão invisível, poderia ser uma forma de repressão, que pretendia assim acabar com um velha tradição pagã, possivelmente ligada ao culto das pedras.
O que me fazem pensar se a tradição das sete voltas à estátua de S. Longuinhos estaria ligada sobretudo à estátua ou à própria rocha onde assenta a estátua...
Esta conversa abriu-me o apetite. Estou certo que os meus pais saberão mais algumas deste tipo. Vou investigar.
Nessas casas que me falas, que suponho sejam aquelas que estão agora atrás de uma rede verde, morou uma tia minha, mulher do irmão da minha mãe, o Quim Pechucho, e vou tentar saber mais sobre essas estórias.
Quanto aos quatro irmãos, eu sou de Sande S. Martinho e conheço a lenda. Um bocado diferente daquela que postaste há algum tempo, é certo, mas na mesma linha.
Abraço
Olá Maria,
São Lourenço é uma freguesia anexa a Longos. A igreja em questão é aquela que se passa em direcção aos 4 irmãos.
São muitas as tradições de dar 3 ou 7 voltas a pedras e monumentos. Existem como sabes por todo o lado por serem números mágicos na tradição popular.
A estátua de São Longinhos, esta, pelo que me consta através de algumas leitruas, teve o papel de padroeiro das moças que queriam casar por ter uma carga fálica na sua representação.
O hastear da lança do cavaleiro é um sinal de virilidade bastante comum.
Agora, não sei se haveria uma tradição anterior à cristianização do lugar...
Pedro, a casa é essa mesma.
A minha tia disse-me que os anteriores moradores (não sei se ela morou antes ou depois dos teus familiares)os tinham avisado para não entrar em certa divisão da casa devido a acontecimentos estranhos.
Mas se puderes investigar isso seria certamente muito interessante para um futuro post!
Obrigado!
Galaico, uma lenda não se estabelece com facilidade. Na minha maneira de ver as coisas, uma estátua viril não tem, por si mesma, a capacidade de criar um culto de fecundidade. É necessário algo mais...
Hum...
Creio que já te disse que na minha aldeia mudaram o orago. Isso aconteceu ainda no século XIX. O orago era a Santa Bárbara mas, como levaram com uma trovoada violentíssima que os arrasou, consideraram-se traídos e, à revelia do padre, leiloaram a velha padroeira da terra e compraram outra: a Santa Catarina.
Porquê a Santa Catarina? Essa é a questão interessante.
Bem, parece que se substituiu o orago por outro que, na aparência, nada tinha a ver. Contudo, numa aldeia onde existia um templo pagão de cariz iniciático, ambas as santas escolhidas estão ligadas aos mistérios iniciáticos, sendo cultuadas muitas vezes em locais onde existiram antigos cultos iniciáticos. Mas, quem poderia saber disso na minha aldeia, no século XIX?
Repara, memória não é apenas a memória histórica - que, por vezes, parece que é a única memória autorizada. - A memória colectiva expressa-se de formas muito diferentes da memória histórica, mas nem por isso é menos real. E a memória social está intrinsecamente ligada à memória colectiva.
A história dos 4 irmãos (da qual muito gostava de conhecer a versão do Pedro Mendes) - não nos devemos esquecer que o combate entre irmãos é um modelo mítico -, esta história das sete voltas a uma igreja numa noite de lua cheia - de um orago muitas vezes associado com o deus Lugh - e o teu conto do lugar assombrado, parecem-me elementos de uma história comum. A memória colectiva está a contar a história de um passado perdido, mas apenas perdido em termos históricos.
As histórias da memória colectiva nunca são lineares, recorre-se a estruturas diferentes das habituais no plano da historiografia: categorias em vez de acontecimentos, arquétipos em vez de personalidades históricas. Entramos nas vivências míticas... mas, nem por isso, são menos interessantes.
Desculpa se te aborreci. Creio que ambos sabemos que eu tendo a ser uma chata, mas que se há-de fazer?...
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