quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

"O que os portugueses comiam no natal há 100 anos "

Uma Ceia de Natal Galaica:

Está a ver aquela posta alta e deliciosa de bacalhau cozido com couves, cenouras, batatas e muito azeite por cima? No início do século XX, isso era coisa que só existia no Norte do país. Do Porto para baixo, a véspera de Natal era passada no mais rígido e rigoroso jejum. A partir do início do Advento, as famílias faziam jejum de carne e, na véspera de Natal, no Sul do país, era jejum total até à Missa do Galo.

A tradição é recordada por Maria de Lourdes Modesto num artigo publicado no jornal Público, em 2009. A maior especialista em comida portuguesa lembra-se que, na década de 30, depois da missa tinha finalmente direito a comer qualquer coisa – e normalmente os pais serviam um doce para quebrar o jejum. No dia 25, então, era servido um almoço completo e, no Alentejo, onde vivia com a família, era sempre porco – peru nem vê-lo.

No Funchal, a tradição também era a do jejum na véspera e a do porco no Dia de Natal. De madrugada, depois da Missa do Galo, era servida uma canja e um cálice de vinho. Na verdade, a festa só começava depois da missa.






Hoje em dia, a ceia da véspera de Natal tem tanta importância como o almoço de dia 25. Mas, há 100 anos, era coisa que existia essencialmente no Norte do País, acima do Porto. Aí, sim, havia uma tradição de jantar em família, com bacalhau – cozido ou em pastéis –, polvo guisado, arroz de polvo ou outros pratos sem carne. Na véspera de Natal, a família reunia-se à mesa para celebrar a festa em conjunto. E Missa do Galo não existia na região.

Quando foi viver para Lisboa, no final do século XIX, o escritor Ramalho Ortigão indignou-se mesmo contra aquilo a que chamou "uma invasão do lar pela sacristia", um "intrometimento sacerdotal" que interrompia um jantar com uma missa. "Os padres, sem de modo algum lhes discutirmos o muito que eles sabem do pecado, não sabem nada acerca da família".

No Norte, ninguém rezava pelo Menino Jesus à meia-noite. A essa hora toda a gente estava sentada à mesa, à volta de um polvo ou de um bacalhau. Só as famílias da nobreza nortenha fugiam à tradição. Numa investigação sobre "os alimentos nos rituais familiares portugueses", Maria Antónia Lopes, do Centro de História da Sociedade e da Cultura, da Universidade de Coimbra, publicou um menu de uma ceia de Natal de uma família nobre do Norte, em 1891: puré de jardineira, arroz de fantasia caseira, costeletas nacionais e "ervilhas idem" e couve flor composta. Para sobremesa, bolo experimental, pudim incógnito e broas de Natal, entre outros.

No final da II Guerra Mundial, o bacalhau começou então a espalhar-se por todo o país. Segundo Nuno Miguel Costa, do Museu Marítimo de Ílhavo, o Estado Novo via no bacalhau um prato "simples" e "humilde" que ajudava a educar o povo a ser poupadinho e bem comportadinho. Com a massificação da televisão e a distribuição de bacalhau garantida pelo Estado, a ditadura aproveitou para impor uma propaganda nacional em defesa do bacalhau, tornando-o tradição em todo o país.
Hoje, bacalhau cozido é coisa que não falta no dia 24 em casa da Família Mistério. Adoro aquelas postas altas e deliciosas de bacalhau que se separam em lascas suculentas. Mesmo as crianças estão rendidas a esta maravilha. Aliás, cá em casa, só há um alimento que cria um intenso e dedicado debate: o bolo-rei. Eu compro sempre, já a minha querida e prezada Mulher Mistério odeia.

Em Portugal, aliás, este bolo nunca foi consensual. A receita foi trazida para Lisboa em 1869 pelo dono da Confeitaria Nacional que, no ano passado, ganhou a rigorosíssima eleição de Melhor Bolo-Rei de Lisboa organizada por este vosso casal amigo e que teve como jurados o chef José Avillez e a Marta (veja aqui). Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior provou, pela primeira vez, o bolo-rei em Paris e começou a vendê-lo na Confeitaria. Rapidamente, o bolo se tornou um sucesso especialmente na época do Natal.

Mas, com a implantação da República, um bolo com "Rei" no nome virou um ultraje. A venda foi proibida pelo Estado e só a gula e a imaginação dos portugueses é que o conseguiu manter vivo. Antes que os políticos percebessem o que se estava a passar, já as pastelarias vendiam o mesmo bolo, chamando-lhe Bolo de Natal, Bolo de Ano Novo ou até Ex-Bolo-Rei.

Eu, por mim, como-o com qualquer nome ou de qualquer maneira e feitio. Tal como o bacalhau, o polvo, o peru ou qualquer outra maravilha da tradição culinária portuguesa. O que é importante é que seja delicioso.

Uma óptima ceia de Natal para si onde quer que a tradição esteja,
Ele

 Fonte: https://www.casalmisterio.com/o-que-os-portugueses-comiam-no-natal-ha-630571?fbclid=IwAR2buinvbDjheOeYlhh1rGtFy8W9m_RO7xBpW4jRL_uRtQCIC8gCfyHxb-g

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Feliz Carnaval!

Hoje é Carnaval.

Um bom Galaico tenta expulsar o inverno e este reino de espíritos malévolos, se bem que a chuba tanta falta nos faz.

Em vez de mulheres escanzeladas, pálidas como a cal após meses de retiro invernal a tentar abanar os ossos ao som de ruído latino / brasileiro, fica aqui alguma da indumentária tradicional que deveríamos todos usar e promover!


Caretos Artesanais de Rio d'Onor, Bragança

sábado, 20 de janeiro de 2018

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

SISTELO. ENTRE O VALE E A MONTANHA

Artigo Publicado no Nº18 da Revista Aldraba
Dezembro de 2015

ALDRABA - Associação do Espaço e Património Popular


Texto e Fotografia: Fernando Cerqueira Barros [1]


No extremo Norte do concelho de Arcos de Valdevez (distrito de Viana do Castelo), encaixado entre as margens de um rio Vez ainda em início de vida (mas ao qual recentemente quiseram tirar a vida), [2] e as encostas abruptas da vertente Noroeste da Serra da Peneda, localiza-se a freguesia de Sistelo.


1 - Sistelo, Arcos de Valdevez

Terra de uma beleza ímpar, marcada pelos fortes contrastes entre a paisagem fortemente humanizada do vale do Vez, e uma paisagem mais aberta e de largos horizontes dos altos aplanados da Serra da Peneda (mas não por isso menos humanizados), a freguesia é composta pelos lugares de Sistelo (Igreja), Padrão, Porta Cova, Estrica, Quebrada e Portela de Alvite (este na fronteira com o concelho de Monção).


2 - Sistelo, contraste na paisagem entre o retalhamento por socalcos no Vale do Vez e a paisagem de montanha na "branda" do Alhal

Póvoa medieval, fundada por Roy Pelais de Val de Vez, desde os primórdios teve uma forte ligação com a vizinha Paróquia de Cabreiro, à qual pertenceu. No séc. XIII a importância estratégica desta vertente da serra (nomeadamente na interligação e proximidade que tinha à via de penetração que desde as terras altas de Castro Laboreiro, unia a fronteira com a Galiza até às Terras do Vale do Vez), levou o monarca D. Afonso III, em 1271, a dar Carta de Foro a seis casais de Sistelo, para povoarem e trabalharam o então "monte ermo" de Padrão (Padron), [3] com limites e designações que, passados mais de sete séculos ainda permanecem na memória e toponímia destes lugares.

É portanto uma terra marcada pela geografia e pela história, dos homens que a pulso construíram o seu território, e sabiamente o estruturaram e organizaram. As fortes diferenças de declive originaram microclimas distintos dentro da própria freguesia, os quais estão diretamente associados, quer às diferenças de altitude, quer às disponibilidades hídricas e de insolação, que distinguem claramente as áreas profundas e encaixadas do Vale do Vez e corgas [4] adjacentes, das áreas de montanha e alta montanha, que se aproximam do topo aplanado da Serra da Peneda.

A criação de gado bovino da raça Cachena foi, desde longa data, um dos pilares mais importantes da economia familiar de todas as comunidades serranas da Peneda (tal como o atesta, por exemplo, o testamento de Mumadona do séc. X - "vacas quantas temos na Várzea e no Soajo e quantas possuímos nas encomunhões com os nossos colonos" [5] ), o que, associado com a exiguidade dos espaços férteis de vale, e a forte disponibilidade de pastos de alta montanha, passíveis de exploração (sobretudo na época estival), foram pontuando a serra de currais e "brandas",[6] lançando bases para a estruturação de um uso transumante e sazonal do espaço, entre as áreas baixas de vale utilizadas durante todo o ano (e onde se implantam as aldeias), e as áreas de alta montanha (impraticáveis no inverno devido ao gelo e às neves), para onde sobem os gados entre Março/Abril, e onde permanecem até Setembro/Outubro (onde se implantam as "brandas"), locais já edificados, em alguns dos casos, no período medieval - séc.XIII - como o atesta a referência ao "Curial de Lamelas" ("Branda" de Lamelas, em Cabreiro).


3 - Sistelo: Gado Bovino e construções pastoris na "branda" da Gêmea

Outro dos pontos fundamentais para a estruturação deste território foi a introdução, a partir do séc. XVI, da cultura do milho Maiz. As necessidades de regadio obrigaram ao retalhamento das pendentes das zonas de vale em monumentais socalcos, criando dessa forma patamares horizontais que sustêm a água e permitem a rega, esta proveniente de diversas levadas, algumas das quais utilizando água do rio, corgas, e outras provenientes de nascentes e poços. Foi precisamente a cultura do milho, e a construção dos socalcos que deixou uma das marcas mais fortes na paisagem de Sistelo, sobretudo no seu trecho entre Sistelo e Porta Cova. A estes associam-se os espigueiros (ou canastros), destinados à guarda e secagem do milho, edificados com a estrutura principal em granito e as paredes laterais em madeira, elevados de forma a evitarem a humidade do solo, e protegidos da subida dos roedores, por mós, ou mesas, salientes. No seio das densas aldeias, que caracterizam o povoamento concentrado de montanha, os espigueiros agrupam-se, implantando-se nas áreas de melhor exposição ao sol e aos ventos, garantindo uma melhor conservação do cereal.


4 - Socalcos no Vale do Vez, entre Padrão e Porta Cova e Espigueiros em Padrão

Esta dualidade vale/montanha foi sendo explorada e incrementada, a partir da revolução do "maiz", tendo determinados factores contribuído para uma busca cada vez mais intensa das áreas de alta montanha, que passaram a ser exploradas já não só em busca do pasto estival para os bovinos, mas também, a partir de determinada altura, para um uso agrícola, tendo as "brandas", inicialmente apenas pastoris, passado a locais também de cultivo, inicialmente através da realização de cachadas [7] para centeio, e posteriormente, provavelmente já no séc. XIX, por outra cultura vinda das Américas - a batata.


5 - Zona de cultivo e pasto nas "brandas" do Furado e do Alhal

O conjunto de lugares Sistelo, Padrão e Porta Cova, pertencem, desta forma, ao conjunto de aldeias da Serra da Peneda, que estruturam o seu território através da prática da transumância vertical, entre as áreas de vale utilizadas todo o ano, e as áreas de alta montanha, de uso estival, onde implantam as "brandas". Devido à clara dicotomia de uso e função que separam estes espaços, as técnicas construtivas que caracterizam a arquitectura tradicional desta freguesia são, elas também, distintas.

Assim, com o granito como material primordial para todas as construções, nas aldeias destacamos as habitações, edifícios robustos, com poucas aberturas, defendendo-se das agruras do clima, em alguns casos encerradas em torno de pátios privados, aos quais se associam palheiros, construídos com recurso à madeira. A estas somam-se os espigueiros, em núcleos, como os de Sistelo (recentemente recuperados), os de Padrão (em dois núcleos no extremo Norte e Poente da aldeia), ou os de Porta Cova, que montanha acima nos recebem após passarmos o regato. A arquitectura religiosa, embora presente, não tem marca de monumentalidade (reservada na serra ao Santuário da Senhora da Peneda e quartéis de peregrinos, ou outros locais de culto e romagem, como S. Bento do Cando), sendo, ainda assim, de referir a presença de várias pequenas capelas, a Igreja em Sistelo, e diversos nichos e alminhas, símbolos da arte e da religiosidade popular. A estes associam-se, junto aos rios, os moinhos (a sua maioria de rodízio, alguns com cobertura em granito) e as ruínas do velho fulão [8] (junto ao rio Vez em Padrão, no caminho que leva até Paçô do Monte - Merufe), e interessantes pontes, e pontelhas, que permitiram a passagem dos cursos de água, e as importantes ligações territoriais.



6 - Habitações no lugar de Padrão, e núcleo de construções na "branda" da Gêmea

Na zona de alta montanha a paisagem é claramente distinta, maioritariamente pedregosa, onde pontuam, nas pequenas chãs mais férteis, os terrenos cultivados das "brandas" e as suas peculiares construções. Ali podemos encontrar sinais do que foi a cultura primitiva da montanha, que persistiu até há poucas décadas, onde os pastores e gado pernoitavam nas noites de Verão, em pequenas casas e cortelhos, [9] a sua maioria construídas totalmente em granito, com cobertura edificada com recurso ao sistema de falsa cúpula de granito. Em alguns casos, de dois pisos, observa-se, ainda, a existência da laje de lareira, onde os brandeiros acendiam o fogo e cozinhavam.


Sugestões de percurso de visita:

Sistelo localiza-se cerca de 30 minutos a Norte de Arcos de Valdevez, estando numa posição geográfica a meio caminho entre a Vila sede de Concelho, e a vizinha vila de Monção (mais a Norte). Outras distâncias de referência: 1h a Braga ou Vigo e 1h30m ao Porto.


7 - "Castelo" de Sistelo, Ponte no Rio Vez (em Padrão) e vista do lugar de Padrão

1 - Uma visita a Sistelo poderá começar pelo seu núcleo central (Sistelo - Igreja), onde se implanta uma das mais marcantes construções da freguesia - o chamado "Castelo de Sistelo" - habitação romântica oitocentista, construída por um filho da terra emigrado no Brasil, e que regressado implementou um conjunto de obras e melhorias na aldeia. Ainda na aldeia podem observar-se dois núcleos de espigueiros, a Igreja Paroquial e diversas habitações tradicionais (algumas recuperadas e em funcionamento como Turismo Rural). Uma descida até ao rio, através de centenários degraus, permitirá a visita a velhos moinhos e um primeiro contacto com a zona dos socalcos.

2 - Para reconhecer a área monumental dos socalcos de Sistelo é imprescindível subir até às aldeias de Padrão e Porta Cova, entre as quais a paisagem assume características verdadeiramente deslumbrantes. Quem observe, de topo, o lugar de Padrão, pode aperceber-se da sua implantação, numa pequena área aplanada, dominando sobre as áreas de cultivo. Em cada uma das aldeias ainda é possível observar traços da arquitectura rural tradicional. Padrão tem dois núcleos de espigueiros bastante interessantes, e é precisamente desde esses núcleos que conseguimos obter as mais impressionantes vistas sobre os socalcos.

3 - É possível subir até à "Branda" do Alhal de automóvel, apercebendo-se, durante a subida, da forte transição entre as áreas de vale e montanha. Na "Branda" do Alhal tomará um primeiro contacto com a realidade das "brandas", existindo ainda em bom estado de conservação diversas construções em Falsa Cúpula de Granito e pequenas casas, de dois pisos.

4 - De forma a percecionarmos a realidade territorial de cada uma destas aldeias, e as distâncias e percursos entre aldeia / "branda" (a dicotomia Inverno / Verão da vida serrana de Sistelo), bem como as diferenças marcantes na paisagem e no clima, sugere-se que se percorra uma destas unidades a pé, desde a parte baixa de vale encaixado, até à parte de alta montanha:
               a) Em Padrão, é possível iniciar um percurso junto à aldeia, descer por entre socalcos até à parte baixa junto ao rio Vez, onde se implantam os moinhos junto à velha ponte. Posteriormente subir até à "branda" do Alhal e depois, num percurso que nos leva até próximo dos 1000m de altitude, à "branda" da Gêmea, na qual subsistem os mais peculiares conjuntos de falsas cúpulas de granito.
               b) Um percurso de compreensão do mesmo género, mas correspondente à realidade territorial de Porta Cova, é possível fazer a partir deste lugar, subindo a velha calçada que nos levará a percorrer a serra, com o Vez ao nosso lado, passando pelas "brandas" de Crastibô, Lapinheira e subindo até à do Furado (esta também próxima dos 1000m, e já na confluência dos concelhos de Arcos de Valdevez, Monção e Melgaço).


8 - Conjunto de espigueiros em Porta Cova, e construções na "branda" da Gêmea




[1] Arcos de Valdevez, 1986. É Arquitecto pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde concluiu em 2011 o Mestrado em Arquitectura com a Dissertação «Construção do Território e Arquitectura na Serra da Peneda. Padrão (Sistelo) e as suas "brandas" - um caso de estudo» (orientado pelo Arq. Rui Pinto), a qual obteve Menção Honrosa no I Prémio Ibérico de Investigação em Arquitectura Tradicional. Em 2013 concluiu o Curso de Estudos Avançados em Património Arquitectónico, tendo ingressado no mesmo ano no Programa de Doutoramento em Arquitectura da FAUP, onde atualmente desenvolve, sob orientação do Prof. Doutor Pedro Alarcão e do Prof. Doutor João Garcia, a tese «Património Arquitectónico e Organização do Território Transfronteiriço, nas montanhas Galaico-Minhotas».
[2] Projecto de Aproveitamento Hidroeléctrico de Sistelo, que pretendia construir uma mini-hídrica no troço inicial do Rio Vez, entretanto chumbado pelo parecer negativo das entidades competentes.
[3] "Carta de Foro de Monte Leboreiro quod vocatur Padron", 15 de Janeiro de 1271
[4] Corga - pequeno ribeiro, ou regato.
[5] Testamento de Mumadona in Terra de Valdevez e Montaria do Soajo, Eugénio de Castro Caldas, p.63 
[6] "Branda" (ou veranda) - espaço de alta montanha, associado à transumância, utilizado durante os meses de verão; local onde pastam os gados entre os meses de Março/Abril até Setembro/Outubro. É composta por espaços de pasto, em alguns casos de cultivo, e diversas construções, onde pernoitam os pastores e animais. Na serra da Peneda cada aldeia possui duas, ou mais, "brandas" no alto da serra, que podem ser de um dos seguintes tipos: a) "brandas" de gado - exclusivamente pastoris; b) "brandas" de cultivo - de uso pastoril e agrícola, onde cultivam centeio e batata; c) "brandas" de maior permanência - na freguesia da Gavieira o núcleo doméstico desloca-se, nos meses de verão, para a "branda", descendo nos de inverno para a aldeia. Terminologia e sistema semelhante ao galego e asturiano "braña".
[7] Cachadas - ou cavadas - preparação do terreno, na serra, para o cultivo; no séc. XVIII o pároco de Carralcova (Arcos de Valdevez), descreve desta forma o uso pastoril e agrícola das "brandas" - "...e no tempo dos mezes de Verão como hé Junho, Julho e Agosto vão os moradores da dita freguezia apascenntar à dita serra o gado vacum e a maior parte do anno o gado meudo (…) em algumas partes os pobres moradores fazem cachadas para o centeio" (Memórias Paroquiais de 1758)
[8] Fulão (ou pisão) - tecnologia tradicional, movido a água, destinado a pisar panos de lã e serguilha.
[9] Cortelhos - construção rudimentar, feita em granito, onde se abrigam os brandeiros e gados. Em algumas "brandas" distinguem-se os "cortelhos" (mais pequenos e destinados aos animais), das "cabanas" (feitas com a mesma tecnologia, mas de maiores dimensões e destinadas aos pastores). Os cortelhos de grandes dimensões, destinados a moradia dos brandeiros, também se designam, em alguns locais, de "cardenhos".

terça-feira, 24 de março de 2015

Pão de Bolota - Sustento Primoridal



O pão de bolota, hoje em dia apenas quase usado de forma ritual druidística e noutras celebrações pagãs, já foi, não vai assim há tanto tempo, o sustento do povo que nos deu a origem.

Antes da introdução do milho Sul Americano ( o local, vulgo milho painço era de qualidade muito inferior e de cultivo difícil ), antes da propagação pelo homem da Castanha e antes das melhorias das técnicas de cultivo, os povos da idade do ferro viviam essencialmente desta fonte alimentar com grande durabilidade.
Citando Estrabão, o geógrafo Grego que visitou a nossa Galécia a mando do império Romano, referiu-se o seguinte:

For two-thirds of the year the mountaineers feed on the acorn, which they dry, bruise, and afterwards grind and make into a kind of bread, which may be stored up for a long period.
(Strabo, Geography, III, 3, 7)


Não é de estranhar que este hábito alimentar tenha perdurado quase até aos nossos dias pois não há milénios que apaguem a memória e o instincto de um povo. Por isso se explica também o facto de existirem quase sempre manchas de "Quercus" de várias espécies juntos aos sanctuários de Montanha do Noroeste do país.

Porquê?

Porque os nossos sanctuários, fundados na sua vasta maioria sobre antigos sítios arqueológicos da idade do Ferro (vulgos Castros, Cividades e Citânias) mantiveram apenas a vegetação local que era essencial à vida das pessoas deste tempo.


 Sobreiro secular na Citânia de Briteiros

A importância destas árvores era tanta que o seu valor físico passou para o âmbito do espiritual. Assim sendo, explica-se facilmente porque é que o Carvalho se tornou um símbolo da cultura pagã Celtica ou, melhor dizendo, da cultura Atlântica Europeia.


À falta de tetas de vacas cheias de leite, de ouriços doirados a reluzir sob o sol latente do outono do Noroeste Ibérico, ou de espigueiros (naquele tempo, provavelmente de varas entrançadas como ainda se podem ver nas zonas mais remotas das serras do Alto Minho) cheios de cereal, os nossos amigos Quercus eram, manifestamente, fonte de vida e, inequivocamente, dignos da reverência emocional dos povos.

Ironia pensar que estas árvores, que nos deram vida e sustento, foram acusadas de ser objectos idolatrados de forma pagã sendo o seu culto proibido por São Martinho de Dume logo nos primórdios do Reino Medieval da Galécia. Porém, pelo contrário, adorar estátuas de Santos mudas e frias como a própria morte, apesar de sabermos o que a bíblia nos diz sobre os "ídolos", já foi aceite como regra sem problemas...

Voltando a focar-me no que realmente importa, interessa-me igualmente apontar o facto de que, por norma, os cumes das nossas serras serem naturalmente "carecos". Invariavelmente cheios de afloramentos graníticos, povoados por povo Castrejo que usava as cercanias como pastoreio e um consumo de madeira para o dia a dia, impediam o crescimento intenso de árvores nos topos das serras. Os bosques ficavam-se, por norma, nos vales e a meio dos contrafortes das montanhas por serem mais húmidos e em zonas menos agressivas a nível climático.


Santa Marta das "Cortiças", Falperra, com o seu cume granítico e sobreiros no preciso local onde está a ermida assim como por cima das ruinas do antigo castro e do majestoso Palácio Suevo.

Assim, quando virem um Carvalhal no topo da montanha a envolver um dos nossos muitos sanctuários, lembrem-se de que estas árvores são por ventura filhas das que alimentaram os nossos avós de gerações imemoriais.

Curioso também o facto de se verem muitos sobreiros nestes sítios específicos. O sobreiro, não sendo árvore significante no Noroeste da península (apesar de ser um Quercus, apresenta uma folha pequena e persistente o que, logicamente, vai contra o clima Atlantico-Marítimo do Noroeste), foi cultivada inicialmente por estes povos porque a sua Bolota tem menos taninos.

Por este motivo é muito menos amarga que a do Carvalho Alvarinho e necessita de menos cuidados na sua preparação. Nunca tendo provado acredito pois, quem mo disse, foi uma amiga extremamente versada nestas andanças e que, de forma ritual e também habitual, faz ainda este pão em casa, para seu consumo e da sua família, num apartamento em plena cidade de Braga.

Resumindo, costumo dizer que nessas nossas terras, mandamos um pontapé num calhau e temos história de 2000 anos a contar. Neste caso, cai-nos uma bolota na cabeça e temos antropologia para toda a noite.

No que me toca irei tentar provar esse pão primordial. Além de não ter nenhum tipo de aditivos químicos (isso ainda não chegou aos Quercus perdidos na serra e nas bouças), e sabendo que os melhores porcos são os que comem bolotas em vez de farelo e lavadura, talvez fique eu mesmo mais saboroso e de carne mais tenra!

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-bolota-mostra-o-seu-poder-1689972

sexta-feira, 13 de março de 2015

"Região Norte quer valorizar património castrejo"


Notícia positiva mas que peca por tão tardia como a preservação dos mais de dois mil sítios totalmente  abandonados.

Uma cultura única faz-se, recorda-se e vende-se protegendo-a na integridade para que os povos locais se consigam identificar no tempo e na geografia dispersa do que hoje é a globalização.

Uma dúzia de sítios históricos ligados é uma velha conversa com uma década de teoria. Veremos no que dá mas, pessoalmente, não trago muitas esperanças que a genuinidade única desta nossa civilização seja convenientemente promovida como a real marca de identificação das nossas gentes e do nosso território histórico e arqueológico.

Tudo menos que isso é, no que me toca, será trabalho incompleto





 
"Rede de Castros do Noroeste foi formalizada esta quinta-feira, um ano e meio depois do seu lançamento, com 12 sítios dos mais de dois mil existentes só no Norte de Portugal.".

"Onze municípios do Norte do país formalizaram esta quinta-feira com a Direcção Regional de Cultura a institucionalização da Rede de Castros do Noroeste, reactivando um projecto de colaboração pensado desde 2004 e lançado há ano e meio. A partir de agora, a rede tem um regulamento de funcionamento e de adesão de novos membros, e prepara-se para buscar nos fundos europeus capital para investir em acções científicas e de divulgação do património castrejo da região.

Os municípios de Boticas (Castro do Lesenho), Esposende (São Lourenço), Monção (São Caetano), Paços de Ferreira (Sanfins), Penafiel (Monte Mozinho), Póvoa de Varzim (Cividade de Terroso) , Santo Tirso (Castro do Padrão), Trofa (Alvarelhos) e Vila do Conde (Bagunte), e a Sociedade Martins Sarmento, de Guimarães (que gere a citânia de Briteiros) são, com a Direcção Regional de Cultura, que tutela a Citânia de Santa Lúzia, de Viana do Castelo, os fundadores da Rede de Castros do Noroeste. Que apesar do nome, se cinge, para já, ao território português

Desde 2004 que especialistas na área – como o arqueólogo Paulo Costa Pinto, Armando Coelho Ferreira da Silva ou Francisco Sande Lemos – vinham defendendo a necessidade de valorizar, numa rede luso-galaica, o património castrejo, dada a singularidade de, por toda esta região da península existirem mais de sete mil assentamentos humanos proto-históricos conhecidos. Aquando da chegada dos romanos a esta parte da Europa, a paisagem era dominada por estas urbes fortificadas, de planta circular ou rectangular, construídas no cimo dos montes.

A rede agora formalizada apenas inclui parceiros portugueses e deixou de parte, para já, a ideia, apontada há uma década, de candidatar este património à UNESCO. Dadas as disparidades no trabalho de investigação arqueológica, e de criação de condições de divulgação e visitação, os promotores vão concentrar-se em procurar, através do Portugal 2020, fundos para valorizar este património, e alargar o grupo a outros municípios interessados em prosseguir o mesmo caminho. Só mais tarde, admitiu no director da DRCN, se analisará se o trabalho realizado permite ambicionar essa inscrição na lista de património mais famosa do mundo.

Nesta sessão, no Palacete Allen, no Porto, a presidente da Câmara de Vila do Conde, Elisa Ferraz, revelou que o município conseguiu na semana passada a posse dos cerca de 18 hectares de terreno onde está implantada a cividade de Bagunte, na freguesia homónima deste concelho, depois de mais de seis décadas de negociações difíceis, com intervenção judicial.

O diferendo vinha impedindo a autarquia de fazer investimentos de fundo - fosse em acessos ou num centro de interpretação condigno – neste castro, um dos oito existentes no território de Vila do Conde, como explicou o arqueólogo Pedro Brochado. Resolvida a questão da propriedade, vai ser possível fazer campanhas de escavações mais alargadas e apresentar candidaturas a fundos comunitários para outros equipamentos e infraestruturas, no âmbito da rede agora constituída.

António Ponte espera que este trabalho em rede permita sinergias e partilha de recursos entre os vários municípios, de modo a aumentar o conhecimento existente sobre este património. Ao mesmo tempo, os promotores esperam que a divulgação conjunta destes espaços possa aumentar o número de visitantes e o impacto na economia local."

In: http://www.publico.pt/local/noticia/regiao-norte-quer-valorizar-patrimonio-castrejo-1688966

segunda-feira, 31 de março de 2014

Haja quem defenda a herança Atlântica do Norte de Portugal!

É sempre um prazer verificar que existem políticos de qualidade por entre esta amalgama incoerente e inconsciente que são os Portugueses.

Rui Moreira, um nome quase unânime  entre os Portuenses, é um dos que conhece a sua terra e as suas gentes. Vira-se para quem deve virar-se e desenvolvem projectos que projectam o nome e cultura da sua cidade / região em detrimento de uma subserviência passiva para com opiniões e realidades de outras terras.

Todo Portugal é Atlântico. Mas apenas o Norte tem um clima que o é mais do que Mediterrânico. Haja quem defenda o que somos e não o que os outros querem que sejamos.



A Coruña y Oporto crearán una alianza estratégica junto con una ciudad francesa para impulsar la cocina atlántica y proyectos en el terreno de las smart cities

Tras dos días de trabajo, ambas ciudades avanzan en una agenda común que les permita acceder a las próximas convocatorias europeas de finales de año y principios de 2015.

El alcalde de A Coruña, Carlos Negreira, acompañado por su homólogo de Oporto, Rui Moreira, informó esta mañana de los asuntos en los que ambas ciudades comenzarán a trabajar conjuntamente, tras los encuentros sectoriales mantenidos ayer y la reunión de trabajo que se celebró hoy con representantes de los sectores sociales y económicos de la ciudad: "Ha sido un encuentro fructífero en el que hemos encontrado más puntos en común de los previstos inicialmente. El turismo, la cultura, las nuevas tecnologías y la cohesión social entre ciudades marcarán nuestras prioridades", resumió Negreira, quien subrayó el impulso de la gastronomía atlántica y de las nuevas tecnologías en el ámbito de las smart cities como dos de los principales objetivos que se llevarána cabo entre A Coruña, Oporto y una ciudad francesa.

El alcalde coruñés detalló las principales líneas en las que las dos ciudades se pondrán a trabajar "cuanto antes":

- TURISMO: Tal y como explicó Carlos Negreira, se ha alcanzado un acuerdo para la promoción turística entre ambas ciudades de tal manera que A Coruña se promocionará en Oporto y viceversa a través de diferentes campañas turísticas. Además, los propios profesionales del sector turístico realizarán distintas acciones basadas en el intercambio de experiencias.

- PROYECTOS EUROPEOS: NUEVAS TECNOLOGÍAS y GASTRONOMÍA: Los dos ayuntamientos han empezado a trabajar en una agenda común de proyectos europeos que les permitan participar en las convocatorias previstas para finales de este año 2014 y principios de 2015 relativas a las nuevas tecnologías y, en concreto, a las smart cities. También se ha planteado potenciar la cocina atlántica a través de una acción que se desarrollará de forma conjunta con una ciudad francesa que queda por determinar. El alcalde recordó la importancia de diseñar proyectos comunes a varias ciudades para optar a los fondos europes previstos en el periodo 2014-2020, ya que la propia Unión Europea exige la colaboración entre ciudades a través de alianzas y estrategias.

- CULTURA: Se impulsará el intercambio cultural entre A Coruña y Oporto que pasará, por ejemplo, por aprovechar sinergias y rotar exposiciones.

- COHESIÓN SOCIAL: Se han sentado las bases para iniciar un programa que favorezca la cohesión entre las dos localidades a través del fomento de visitas que permitan a los ciudadanos conocer A Coruña y Oporto a través de un trabajo in situ. Se dirigirá a todo tipo de población con especial incidencia en los más jóvenes.

El alcalde de A Coruña avanzó que en el mes de septiembre está previsto un nuevo encuentro, esta vez en Oporto, al que también asistirán representantes de los sectores sociales y económicos, para seguir avanzando en la agenda común de las dos ciudades. Rui Moreira, por su parte, destacó la importancia de promocionar conjuntamente las dos ciudades como destino turístico fuera de Europa.