A sua verdura estonteante tem impressionado olhos, corações e inspirado as almas dos poetas (pelo menos até ao início da devastação urbanística moderna) desde sempre. O contraste paisagístico entre o Sul/Interior e o Noroeste é brutal e, como o homem é resultado do ambiente onde vive, também as pessoas são diferentes.
Escusado será dizer que toda essa riqueza paisagística e humana é fruto de um elemento específico. Nele podemos concentrar todas as razões para sermos o que somos e termos vivido de uma determinada forma até ao presente.
Falo da ÁGUA.
A chuva, oriunda das superfícies frontais, por norma frequentes no NO, é uma visitante tradicional das nossas terras durante muitos meses do ano. A orografia da região, com as suas montanhas que chegam aos 1500m a curta distância do litoral, transformam nebulosidade em precipitação em dias que, no resto do litoral Ibérico, apenas se vêem nuvens altas. Assim, o Maciço Gereziano e seus adjacentes (Cabreira, Barroso, Xurês etc) tornam-se dos pontos com maior pluviosidade da Europa com cerca de 3000mm anuais. Esta abundância é depois repartida através de milhares de riachos e ribeiros que desaguam nos muitos rios da região fertilizando, ao mesmo tempo que produzem força mecânica, os verdejantes vales.
A quantidade de chuva que habitualmente nos chega permitiu que o nosso modo de vida, e paisagem, fossem considerados "Atlânticos", mais típicos da Europa média, do que propriamente Ibéricos ou "Mediterrânicos", como alguns mais distraídos ainda nos querem adjectivar.
A cultura do Milho Grosso, o cultivo do Campo / Prado, a policultura e a imensa variedade de actividades (Litoral, Ribeirinha, de Vale, de Montanha etc.) presentes nesta região apenas é (foi) possível devido às características de uma terra que, em pleno Agosto, conseguia tratar de milhares de hectares de milherais em regime de regadio aberto enquanto grande parte da península sofria dos malefícios de uma estação quente prolongada e intensa. Coisa que, no NO, não era comum.
Falamos deste tema da seca porque, efectivamente, estamos a viver o PIOR ANO DESDE QUE HÁ REGISTOS EM PORTUGAL. Ou seja, desde 1931 que não tínhamos um inverno tão seco. De Janeiro a Março a precipitação ocorreu apenas em 4 dias e conseguimos encontrar-nos em seca EXTREMAMENTE SEVERA em pleno Inverno.
Silenciosa, e persistente, estamos a presenciar a seca mais catastrófica de que há memória.
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Ainda a semana passada fui lanchar a uma célebre taberna regional onde encontrei o Sr. Ribeiro. Um homem perto dos seus 80 anos. Nascido lavrador à moda antiga e que, como os da sua geração, fez vida no estrangeiro. Voltou para passar os seus "dias de Ouro" cultivando os campos a seu belo prazer.
Hoje, quase cego, lamenta-se de que nunca vira um ano como esse. Poço quase vazio, erva para o gado que não cresce, fruteiras e videiras a rebentar meses antes da hora.
Conversando um pouco, lá me revelou como, no tempo dele, as pessoas lidavam com as secas que, aparecendo de vez em quando, mas nunca com a frequência e dimensão das que temos verificado nas últimas duas décadas, assolavam as suas terras e punham em causa a sobrevivência alimentar do ano.
"Bem, isso não é do teu tempo! Nem se calhar do do teu pai! Mas olha, lembro-me de um ano, que de Março a Julho nem uma gota caiu. A terra parecia pó e o milho, que tinha de ser regado, estava prestes a secar. E já muito prejuízo havia por aí fora. O rio Ave nem conseguia que os moinhos trabalhassem, mais parecia um ribeiro!
Ora, quando isso acontecia, o povo reunia-se e subia à Santa Marta das Cortiças. Fazíamos uma procissão e vinha povo do lado de Braga e do lado de Guimarães. Tirávamos a Santa da ermida, davam-se 3 voltas à mesma e passava-se pelos passos que lá estão. Uma vez disseram-me que até foram até à Sé de Braga com a imagem tal era a aflição. É que naquele tempo se não se colhesse podia-se morrer de fome!"
" Mas olha que não era só essa procissão que se fazia! Também em Briteiros, subíamos ao monte da Citânia, que se chama São Romão, e fazíamos o mesmo. Ia tudo por lá fora a rezar, entrávamos na cidade dos "Mouros" e trazíamos a imagem do Santo que estava lá na ermida. Descíamos até a aldeia e voltávamos a levá-la para cima."
"Se queres que te diga sei lá se dava resultado ou não. Mas sei que quando o fazíamos chovia passado algum tempo. Mas por certo que iria chover mais cedo ou mais tarde. Era a nossa fé, é o que era. Antigamente Deus mandava. Agora ninguém manda em nada."
Após essa pequena conversa, que não foi propriamente reveladora, pois esse tipo de tradições é bastante comum, (apesar de ganhar sempre encanto quando o orador fala de algo que presenciou e que nunca mais será repetido), choveu durante dois dias seguidos. Uns míseros 15 mm que apenas veio limpar o pó do ar.
Ainda acerca destes comportamentos de fé, fica a participação do Fernando Barros:
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Mais do que um mero relato acerca de antigos comportamentos, o que mais nos marca era a forma atenta como as gentes olhavam para a realidade. Porque, efectivamente, realidade é a Natureza. É o céu, a terra, a água, o fogo. São as estações, os frutos e tudo demais que nos permite viver.
Quando, hoje em dia, se ouvem comentários de pessoas que se congratulam por termos um inverno de Sol e sem chuva, não sei se o mundo evoluiu ou regrediu. Para todos os efeitos, em termos Humanos, nunca estivemos num buraco tão fundo.
Mais do que um mero relato acerca de antigos comportamentos, o que mais nos marca era a forma atenta como as gentes olhavam para a realidade. Porque, efectivamente, realidade é a Natureza. É o céu, a terra, a água, o fogo. São as estações, os frutos e tudo demais que nos permite viver.
Quando, hoje em dia, se ouvem comentários de pessoas que se congratulam por termos um inverno de Sol e sem chuva, não sei se o mundo evoluiu ou regrediu. Para todos os efeitos, em termos Humanos, nunca estivemos num buraco tão fundo.