
Na antiguidade corria nos povos da beira Lima uma superstição de que as águas deste rio produziam o esquecimento do passado, até havendo uma lenda popular para explicar a superstição.
O nome antigo do rio era Limia; parece que para o povo esta palavra continha ainda clara a ideia de «esquecimento», pois os gregos e latinos a traduzem respectivamente por Lethe e Oblivio, que nunca foram porém nomes do rio, como erradamente se tem suposto.
De que modo produzia o rio o esquecimento? Conforme o texto, era atravessando-o.
Como no entanto os povos limítrofes tinham de o atravessar a cada passo, que meios empregavam eles para evitar o esquecimento?
Podemos raciocinar aqui por analogia com o que sabemos acerca das cerimónias de outros povos na ocasião da travessia das águas tidas por santas.
Pois que se considera ofensivo invadir os domínios da divindade, fazem-se-lhe sacrifícios, levam-se-lhe oferendas.
No Limia sucederia pois o mesmo: quem se sujeitasse aos ritos expiatórios e propiciatórios, passava incólume.
Sem se admitir isso, não se pode explicar a manutenção da superstição, pois ou o rio nunca seria passado, o que se torna incrível, ou as primeiras travessias, independentemente de cerimonial, a destruiriam logo, o que está em desacordo com os factos.
O Limia era portanto um rio santo, como ainda hoje no nosso país há alguns, segundo a crença popular.
Julgam de uma inscrição romana achada nos subúrbios do Porto, parece que o rio Durius (Douro) foi também divinizado; e igual conclusão se tem tirado a respeito do rio Tâmega, por causa de uma inscrição consagrada ao deus Tameobrio ou Tameobrigo.
Se com relação aos rios, os factos que apresentei são em parte hipotéticos, temos, com relação às águas termais de Vizela, um facto positivo, pois dessa região possuímos inscrições da época romana consagradas a Bormanico, que era o deus tutelar delas.
Este culto foi posteriormente, como creio, romanizado, pois há outra inscrição de Vizela em que figuram vários deuses de procedência romana, entre os quais Esculápio, deus também da saúde.
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In: Opusculos I de José Leite de Vasconcelos, página 259,260.