domingo, 11 de março de 2012

A Seca!

O Noroeste ibérico é uma região atípica dentro da península ibérica.

A sua verdura estonteante tem impressionado olhos, corações e inspirado as almas dos poetas (pelo menos até ao início da devastação urbanística moderna) desde sempre. O contraste paisagístico entre o Sul/Interior e o Noroeste é brutal e, como o homem é resultado do ambiente onde vive, também as pessoas são diferentes.

Escusado será dizer que toda essa riqueza paisagística e humana é fruto de um elemento específico. Nele podemos concentrar todas as razões para sermos o que somos e termos vivido de uma determinada forma até ao presente.

Falo da ÁGUA.

Exemplo típico de uma superfície frontal que foram nulas este ano

A chuva, oriunda das superfícies frontais, por norma frequentes no NO, é uma visitante tradicional das nossas terras durante muitos meses do ano. A orografia da região, com as suas montanhas que chegam aos 1500m a curta distância do litoral, transformam nebulosidade em precipitação em dias que, no resto do litoral Ibérico, apenas se vêem nuvens altas. Assim, o Maciço Gereziano e seus adjacentes (Cabreira, Barroso, Xurês etc) tornam-se dos pontos com maior pluviosidade da Europa com cerca de 3000mm anuais. Esta abundância é depois repartida através de milhares de riachos e ribeiros que desaguam nos muitos rios da região fertilizando, ao mesmo tempo que produzem força mecânica, os verdejantes vales.

A quantidade de chuva que habitualmente nos chega permitiu que o nosso modo de vida, e paisagem, fossem considerados "Atlânticos", mais típicos da Europa média, do que propriamente Ibéricos ou "Mediterrânicos", como alguns mais distraídos ainda nos querem adjectivar.

É a abundância de água que tornou possível o modo de vida tradicional da região

A cultura do Milho Grosso, o cultivo do Campo / Prado, a policultura e a imensa variedade de actividades (Litoral, Ribeirinha, de Vale, de Montanha etc.) presentes nesta região apenas é (foi) possível devido às características de uma terra que, em pleno Agosto, conseguia tratar de milhares de hectares de milherais em regime de regadio aberto enquanto grande parte da península sofria dos malefícios de uma estação quente prolongada e intensa. Coisa que, no NO, não era comum.

Registo oficial da maior seca da história moderna

Falamos deste tema da seca porque, efectivamente, estamos a viver o PIOR ANO DESDE QUE HÁ REGISTOS EM PORTUGAL. Ou seja, desde 1931 que não tínhamos um inverno tão seco. De Janeiro a Março a precipitação ocorreu apenas em 4 dias e conseguimos encontrar-nos em seca EXTREMAMENTE SEVERA em pleno Inverno.

Silenciosa, e persistente, estamos a presenciar a seca mais catastrófica de que há memória.

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Ainda a semana passada fui lanchar a uma célebre taberna regional onde encontrei o Sr. Ribeiro. Um homem perto dos seus 80 anos. Nascido lavrador à moda antiga e que, como os da sua geração, fez vida no estrangeiro. Voltou para passar os seus "dias de Ouro" cultivando os campos a seu belo prazer.

Hoje, quase cego, lamenta-se de que nunca vira um ano como esse. Poço quase vazio, erva para o gado que não cresce, fruteiras e videiras a rebentar meses antes da hora.

Conversando um pouco, lá me revelou como, no tempo dele, as pessoas lidavam com as secas que, aparecendo de vez em quando, mas nunca com a frequência e dimensão das que temos verificado nas últimas duas décadas, assolavam as suas terras e punham em causa a sobrevivência alimentar do ano.


"Bem, isso não é do teu tempo! Nem se calhar do do teu pai! Mas olha, lembro-me de um ano, que de Março a Julho nem uma gota caiu. A terra parecia pó e o milho, que tinha de ser regado, estava prestes a secar. E já muito prejuízo havia por aí fora. O rio Ave nem conseguia que os moinhos trabalhassem, mais parecia um ribeiro!

Capela da Santa Marta das Cortiças - Serra da Falperra

Ora, quando isso acontecia, o povo reunia-se e subia à Santa Marta das Cortiças. Fazíamos uma procissão e vinha povo do lado de Braga e do lado de Guimarães. Tirávamos a Santa da ermida, davam-se 3 voltas à mesma e passava-se pelos passos que lá estão. Uma vez disseram-me que até foram até à Sé de Braga com a imagem tal era a aflição. É que naquele tempo se não se colhesse podia-se morrer de fome!"

A subida à Citânia em honra de São Romão, o padroeiro deste monte, ainda se realiza

" Mas olha que não era só essa procissão que se fazia! Também em Briteiros, subíamos ao monte da Citânia, que se chama São Romão, e fazíamos o mesmo. Ia tudo por lá fora a rezar, entrávamos na cidade dos "Mouros" e trazíamos a imagem do Santo que estava lá na ermida. Descíamos até a aldeia e voltávamos a levá-la para cima."

"Se queres que te diga sei lá se dava resultado ou não. Mas sei que quando o fazíamos chovia passado algum tempo. Mas por certo que iria chover mais cedo ou mais tarde. Era a nossa fé, é o que era. Antigamente Deus mandava. Agora ninguém manda em nada."

Curiosamente, choveu efectivamente depois de invocarmos as memórias e crenças de outros tempos!

Após essa pequena conversa, que não foi propriamente reveladora, pois esse tipo de tradições é bastante comum, (apesar de ganhar sempre encanto quando o orador fala de algo que presenciou e que nunca mais será repetido), choveu durante dois dias seguidos. Uns míseros 15 mm que apenas veio limpar o pó do ar.

Ainda acerca destes comportamentos de fé, fica a participação do Fernando Barros:

"... Num noroeste profundamente rural até há poucas décadas, e bastante agrícola ainda nos dias de hoje, anos de seca eram anos de fome, má produção agrícola, desespero. Se hoje em dia as crises e prosperidades se regem por princípios economicistas, especulação bolsista, ratings, FMI's, troikas e outras coisas que tal, antigamente crise e prosperidade era completamente dependente de pragas, pestes, e sobretudo do clima; bons e maus anos agrícolas estavam intimamente dependentes desse factor...

E como muitas das vezes o povo "só se lembra de Santa Bárbara quando troveja", em tempos de seca faziam-se promessas, oferendas e sobretudo romagens pedindo chuva a todos os santos e mais alguns...

Sant'Ana mandai-nos água
Por vosso devino amor

Respondia o bêbado, no meio da procissão:

"p'ra mim BINHO
Senhor'Ana faz favor..."

Na minha terra (S. Pedro do Vale, Arcos de Valdevez), reza a lenda que a Senhora aparecida entre penedos próximo do local onde se situa a Igreja Paroquial setecentista, esteve em tempos em Refóios do Lima, então também pertencente às Terras do Valle do Vez e a devoção das gentes de Refóios à Senhora do Vale perdurou.
Em anos de seca organizavam-se os chamados "clamores", que da Igreja de Refoios romavam dezenas de quilómetros até à de S. Pedro do Vale, pelo caminho outros romeiros, agricultores sedentos de chuva a eles se juntavam. Vinham cantando e pedindo a chuva que lhes regaria os campo, traziam como oferta razas de milho e feijão. Reza a história que na ida já os primeiros chuviscos de faziam sentir... milagrosa a santa...

No entanto, além dos chuviscos (água) que vinham pedir, no caminho de regresso havia também o habitual molho (porrada) que se devia sobretudo às pingas, não de chuva mas de VINHO VERDE que lhes escorregavam pelas goelas no caminho de volta. E reza a lenda que, nesse caminho de regresso, a cruz processional e os paus das bandeiras, eram óptimos auxiliares de contendas, que o nosso povo sempre foi óptimo jogador de pau... e assim, porrada na romaria, vandalização e mau uso das alfaias agrícolas e os padres chateavam-se.
E a tradição acabou...

Acabou não só a tradição das romagens como também a forte dependência das culturas agrárias e, assim sendo, do clima .Há muitos anos que Refoios não vem ao Vale mas fica a tradição e a lenda..."
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Mais do que um mero relato acerca de antigos comportamentos, o que mais nos marca era a forma atenta como as gentes olhavam para a realidade. Porque, efectivamente, realidade é a Natureza. É o céu, a terra, a água, o fogo. São as estações, os frutos e tudo demais que nos permite viver.

Quando, hoje em dia, se ouvem comentários de pessoas que se congratulam por termos um inverno de Sol e sem chuva, não sei se o mundo evoluiu ou regrediu. Para todos os efeitos, em termos Humanos, nunca estivemos num buraco tão fundo.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Profissões Antigas: Carvoeiros

Interessante vídeo que demonstra uma antiga forma de produção de carvão que, obviamente, já não se observa hoje em dia.

Esse é mais um dos muitos ofícios que desapareceram nas últimas décadas. Fica a memória!

sábado, 7 de janeiro de 2012

Citânias de Briteiros e Sanfins à conversa!

Dois Podcasts interessantes acerca de duas das maiores Citânias do do Noroeste Peninsular.

A rádio TSF reuniu dois painéis de académicos que conversaram acerca da Cultura Castreja, os seus problemas, história, mitos e futuro.

Citânia de Sanfins:


CLIQUE AQUI PARA OUVIR O PODCAST

Citânia de Briteiros


CLIQUE AQUI PARA OUVIR O PODCAST

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um Portugal Monocromático em processo?


Há poucos dias a candidatura do Fado foi eleita como património da Unesco.

Até aí tudo bem não fosse uma pequena situação, na origem da candidatura, que eu já tinha mencionado AQUI.

Porém, admitindo que foi pouco ético o comportamento das autoridades Portuguesas, também sou capaz de admitir que, obviamente, o Fado merece mais essa menção do que uma festividade que pouco extravasa os limites do concelho / região.


Apesar da contínua tentativa de fazer o Fado passar por estilo musical de referência Nacional, tinha andado a encarar esta situação com graça e a divertir-me explicando, a quem quisesse ouvir, que o Fado é a voz de Lisboa e não diz respeito a mais ninguém. Nem a Coimbra que o desenvolveu através de estudantes Lisboetas! Obviamente, isso não faz com que seja mais ou menos (até porque o é sem dúvidas) digno do estatuto em que foi colocado oficialmente.


Como Português já estou, no entanto, mais do que acostumado às tentativas de imposições culturais ridículas. Imaginem a parvoíce que seria fazer dos Gaiteiros Galegos (de cultura Atlântica) a imagem de Espanha (de Cultura mista). Pois bem, é o que estão a fazer em Portugal. Impor a imagem da cultura de uma cidade ao resto do país.

A minha paciência esgotou-se porém quando vi esta reportagem:

http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/article1039534.ece

"Um dia depois do Fado ter sido considerado Património Imaterial da Humanidade, já se fala de outras possíveis inscrições portuguesas. É o caso do canto alentejano ou da dieta mediterrânica."

A minha frustração advém da antecipação que a minha cabeça já está a fazer. Dentro em breve teremos mais duas fontes de propaganda nacional a dar uma imagem falsa de Portugal. Isso porque duvido que os responsáveis pelas hipotéticas candidaturas se preocupem com a falsidade da dieta mediterrânica em grande parte do território nacional.


Alguns exemplos:

- O Azeite é uma importação em grande parte do país. Veio substituir a gordura de origem ANIMAL (coisa completamente adversa à gastronomia mediterrânica) que era uma característica Atlântica. De facto, com a chegada do Milho Sul Americano e a consequente ocupação das pastagens nos vales (outrora dedicados à criação de gado) para seu crescimento, as populações compensaram o decréscimo de um recurso com o outro.

- A carne vermelha é uma presença indissociável nas terras a Norte do país. Até em trás-os-montes, onde o Azeite teve uma presença mais antiga, esta era uma fonte de carne primordial. As aves e outras carnes eram secundárias. Apenas o porco o superava.

- O próprio vinho. no Minho e Douro Litoral, é completamente diferente do das zonas mediterrânicas. Tão diferente que é único no mundo. Originalmente, a Cidra seria a bebida alcoólica local.

- O consumo de peixe e mariscos, típicos da cultura mediterrânica não se enquadra, até há pouco tempo, em vastíssimas regiões do país. Foi na Grécia que nasce a designação "alimentação mediterrânica". Aí sim! Muita da população teria acesso a esses produtos. Especialmente as que viviam nas centenas de ilhas e ilhéus pertença deste país. Em Portugal, a carne estaria dominante em todo o lado a não ser nas zonas puramente litorais.

Campo-Prado Minhoto usado para cereal no verão e fonte de alimento para gado bovino no inverno - Realidade tipicamente Atlântica.

Portanto, e poderia alongar-me, alguns dos requisitos para a designação de "alimentação mediterrânica", simplesmente não existem ou, por outro lado, são importações mais ou menos recentes. Se isso contasse para definir um país como tendo esta dieta então, hoje, todo o mundo ocidental poderia aderir à candidatura.


Agora, acerca do "canto alentejano", acho essa hipótese francamente ridícula. Mais uma vertente cultural de cariz totalmente mediterrânico está a ser hasteada em nome de Portugal. Porém, esse, ao contrário do fado, tem uma importância e expressão nacional que, simplesmente, não merece uma referência da UNESCO. Pelo menos, à frente de outras formas de expressões nacionais com mais peso...

Existem de facto outras formas de expressões musicais com dimensão humana actualmente superiores ou, antropológicamente-etnograficamente mais interessantes (concordo com o possível debate que essa afirnação merece) mas que, talvez por não ter afinidade com Lisboa, os nossos governantes não conheçam.

Falo por exemplo de:

Cantadeiras do Vale do Neiva - Uma referência nesta arte
- Cantos Polifónicos.

Quase sem paralelo no mundo, atraiu Michel Giacometti que ficou fascinado. É o resultado de uma vivência comunitária ancestral. O canto polifónico, maioritariamente feminino, é um museu de antropologia por si só. Religiosos, de trabalho ou lúdicos. Contavam histórias de amores, marcavam ritmos ou, até, lendas antigas (à moda dos contos cantados Transmontanos, também eles dignos de referência).


- Cantares ao Desafio.

Já anteriormente falei deles. Ver AQUI.

De origem medieval, os trovadores rivalizavam entre eles com versos poéticos sobre assuntos de todo o tipo. Hoje em dia, a versão mais popular deste antigo hábito, pode ser apreciada em todo o local no mundo onde hajam pelo menos meia dúzia de Portugueses. De origem Nortenha, esta tradição (ou melhor, uma das determinadas formas de exprimir esta tradição presente em quase todo o território) foi exportada para todos os continentes e tem uma massa humana de interpretes e amantes que o Canto Alentejano nunca teve nem nunca terá.

Não me interpretem mal. A comida mediterrânica é boa. Os Cantares Alentejanos tem a sua piada. Contudo, a primeira não representa Portugal e, a segunda, não tem importância nem dimensão humana que chegue para o justificar.

Em todos esses casos Lisboa aposta em emblemas que lhes são familiares e tenta impô-los a todos os Portugueses. Portugal será sempre visto como um país mediterrânico apesar de não o ser. Se algumas regiões tem fortes afinidades e possam ser confundidas, outras são o completo oposto.

Serra do Gerês - Hoje em dia um dos locais que ainda exibe de forma evidente uma cultura regional que nada tem de "mediterrânico".

Eu, no que me toca, defenderei sempre a minha realidade não deixando que as imagens que certos inventam e usam em seu favor se sobreponham às que me são queridas.Link

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

sábado, 15 de outubro de 2011

"Famalicão" (1940) - Manoel de Oliveira

Mini Filme - Documentário de Manoel de Oliveira interessantíssimo em vários aspectos.

Retrata uma sociedade em fase de desenvolvimento pré-industrial. O momento onde o mundo rural começa a fundir-se com a modernidade.

Impressiona ver Famalicão, uma região hoje densamente povoada e fortemente marcada pelo caos urbanístico, aparecer ainda com um ambiente natural / paisagístico que, hoje, só é possível encontrar no Parque Nacional e terras à volta.

De referir que apenas 70 anos, menos do que a vida média de uma pessoa, passaram entre o paraíso Natural de uma terra com todos os recursos e potenciais possíveis de imaginar, e uma actualidade onde já nada poderá reverter a destruição Natural, Patrimonial e Social.

Qual será o nosso futuro e o futuro das nossas terras tendo em conta o rumo actual da civilização?