segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Cantigas Obscenas de Escárnio e Maldizer


A vós, Dona abadesa,
de min, Don Fernand`Esquilo,
estas doas vos envio,
por que sei que sodes essa,
dona que as merecedes:
quatro caralhos franceses,
a dous aa prioressa.

Pois sodes amiga minha,
non querà custa catar,
quero-vos já esto dar,
ca non tenho al tan aginha:
quatro caralhos de mesa,
que me deu ua burguesa,
dous a dous ena bainha.

Mui ben vos semelharan,
ca se quer levan cordões
de senhos pares de colhões;
agora vo-los daran:
quatro caralhos asnaes,
emanguados en coraes,
con que colhades o pan.

«««Fernand`Esquio»»»
(Trovador oriundo da nobreza galega)

Para Vós Dona abadessa,
eu, o D. Fernando Esquio,
estas prendas vos envio,
porque sei que esta remessa
vós, dona, a merecereis:
quatro caralhos franceses,
sendo dois para a prioresa.

Já que sois amiga minha
e em nada quero poupar,
isto vos mando entregar
que outros não terei tão asinha:
quatro caralhos de mesa,
que me deu uma burguesa,
cada par uma caixinha.

Muito bem vos parecerão,
pois até trazem cordões.
Em breve os entregarão:
quatro caralhos asnais,
tendo pegas de corais
para levar à boca o pão.

Alude a cantiga um objecto, em uso na Idade Média, que hoje é conhecido por vibrador («o consolador») que certas mulheres utilizavam quando não podiam (ou não queriam) ter relações com homens. os dois versos finais indicam que os consoladores tinham uma pega que serviriam também para levar o pão à boca, imagem, como escreve RL, «forte e atrevida». Ver próxima cantiga.


Maria Negra, desventuirada,
e por que quer tantas pissas comprar,
pois lhe na mão on queren durar
e lh`assi morren aa malfadada?
e nun caralho grande que comprou,
oonte ao serão o esfolou,
e outra pissa tem já amormada.

E já ela é probe tronada
comprando pissas, vedes que ventura:
pissa que compra pouco lhe dura,
sol que a mete na sa pousada;
ca lhi conven que ali moira enton
de polmoeira ou de torcilhon,
ou, per força, fica ende aaguada.

Muit`é per aventuira meguada
de tantas pissas no ano perder,
que compra caras, pois lhe van morrer;
e est`é pola casa molhada
en que as metre, na estrabaria:
pois lhe morren, a velha sandia
per pissas berra, en terra deitada.

««««Pero Garcia Burgalês»»»»
(Poeta e trovador nascido em Burgos)

Maria Negra é bem desventurada.
Porque anda tantas piças a comprar
se, nas suas mãos, de tanto as usar,
elas lhe morrem, triste malfadada?
A um caralho grande que comprou,
ontem, ao serão, logo o esfolou
e tem outra piça já amormada.

Ei-la à pobreza, de novo, voltada,
por comprar piças. Vede a desventura:
pissa que ela compre, pouco lhe dura,
depois que ela a mete na sua pousada.
Acontece-lhe ela morrer, então,
ou de tumores ou de torcilhão,
ou, por tanto uso, ficar estragada.

É muita desventura desgraçada
tantas piças por ano assim perder.
Compra-as caras e vão-se desfazer.
A culpa disso é da casa molhada
onde ela as mete, uma estrebaria.
Quando lhe morrem, a velha sandia
por piças berra, na terra deitada.

«As cantigas de escárnio e maldizer, pornográficas ou não, são a primeira manifestação literária da ironia e do humor em língua portuguesa (por isso, algumas eram conhecidas por 'cantigas de risadilha'). Todavia, este humor, ainda que por vezes grosseiro, nunca é gratuito, nem cobarde: ataca directamente, põe o nome aos bois e é assumido.»

Orlando Neves

4 comentários:

Anxo disse...

muito bom.

CallaeciaIndependente disse...

Ainda melhor que ver uma entrevista com o Medina Carreira...
E eu pensava que ele só era batido aos pontos pelo Gil Vicente

Maria disse...

Gostei muito deste post.

E parece-me que um "humor, ainda que por vezes grosseiro", mas que "nunca é gratuito, nem cobarde", um humor que "ataca directamente, põe o nome aos bois e é assumido" é bem humor do norte.

;)

Anónimo disse...

Uma realidade que chegou aos nossos dias.Quantidade não é satisfação...Sensações e sentimentos não se complementam.Enfim...