A procura pela espontaneidade e genuinidade é algo que fascina os membros de OGalaico.
Grande parte das vezes, quando procuramos estes "produtos" achamos-los através de um massificado processo de "fabricação". Este caminho pelo qual se prepara a oferta das nossas tradições é essencial para as dar a conhecer e valoriza-las mas, sob certos ângulos não tem a beleza nem o conteúdo que os fazem ser únicos. Falta-lhes o paladar do inesperado, da harmonia local-ocasião e sobretudo da naturalidade de uma envolvente que faça sentido. Como nos foi ensinado nas aulas de Património, os artefactos (sejam eles de pedra ou imateriais) só revelam o que realmente são quando no seu ambiente natural e estando minimamente contextualizados.
Recentemente fui a uma feira de artesanato e gastronomia onde provei famosos presuntos e bebi licores tradicionais. De facto gostei mas... não tive a satisfação que senti quando os provei nas antiga casa serrana entre pessoas "verdadeiras". Ali, degustei como deve ser. Com a simplicidade da rotina das gentes e sem este "processo" que a divulgação ao público exige. Por muito que queiram não se pode igualar com estes eventos a realidade, a não ser que se esteja a comer por comer, sem procurar nada mais com isso do que a satisfação e a alimentação do nosso corpo.
Certa vez 2 colaboradores de Ogalaico foram visitar um amigo de longa data na sua aldeia na Serra da Cabreira. Lá bebemos a melhor jeropiga que alguma vez provamos. Não veio da garrafa elaborada por designers mas directamente do pipo em madeira de carvalho. Não foi servida nos pequenos copos tradicionais nem à temperatura óptima mas sim com mosquitos numa malga de barro fanada e ao natural. Não havia musica nem luzes á nossa volta mas apenas a frescura do ar que se infiltrava pelas frinchas da porta da loja. Quase me arrisco a dizer que é assim, na penumbra e rodeados de instrumentos de trabalhos agrícolas manuais, que a jeropiga deve ser bebida!
Podem me vir quaisquer enólogos e gastrónomos contestarem as propriedades desequilibradas dos produtos caseiros mas o facto principal não se altera: E ali que ele sabe melhor. Nunca o "melhor" vinho do mundo me cairá tão bem do que uma malga de verde caseiro no intervalo de uma vindima. E isso, não há festivais, recriações, demonstrações ou representações que o possa imitar.
Tudo isso para lhes mostrar um pequeno vídeo. Há primeira vista não tem nada de especial. Parece mais um daqueles despropositados que aparecem aos biliões agora que qualquer um pode mete-los on-line. Porém, olhando mais atentamente e contextualizando-o devidamente, este torna-se muito bom. Mais um entre milhões de vídeos aparentemente aborrecidos mas que no fundo estão carregados de substância.
OGalaico, marcando presença num jantar de convívio natalício, foi a uma tasca típica com os amigos. Pouco depois, dois jovens que faziam parte de outra sociedade, pegam nas concertinas a mando de um adulto babàdo e lá demonstram as suas habilidades para gladio dos presentes que se divertiam com as modas da moda...
Uma velha senhora, daquelas que tão bem representam o Minho na sua jovialidade e presença, olhava mais ou menos desinteressada até dizer que sim senhor! Os miúdos dos Ranchos tocam muito bem mas.. não haveria nenhuma cantadeira do tempo dela que conseguísse fazer-se ouvir caso o folclore alguma vez tivesse sido exactamente aquilo.
Palavras puxa palavra diz ela aos jovens que o folclore real era mais pausado, mais calmo e, sobretudo, muito mais cantado que tocado! Continua dizendo que foi por isso que não quis participar no rancho folclórico daquela terra quando este foi criado. Para ela, aquela exibição não correspondia à verdade e era-lhe oca. Faltava-lhe o sal...
No entanto, o jovem tem no ouvido uma moda daquelas que se ouviam antigamente. Começa a percorrer o teclado de modo um pouco incerto lembrando-se das dicas que o seu professor lhe tinha dado sobre esta composição. Ao ouvi-las a velha cantadeira diz: Isso sim! Isso é uma moda Antiga, daquelas que cantávamos quando éramos moças!
Olha para o rapaz, espera pela altura certa, percebem com sinais mútuos quais os ritmos e tons correctos, e começa a cantar algumas quadras da sua infância. A sua voz está gasta mas não engana! Que grande cantadeira já deve ter sido! O rapaz luta para não falhar demasiado nas voltas e a senhora por vezes não consegue entrar a cantar...
Pensei para mim que isso sim era folclore. Folclore sem representação nenhuma. Sem preparação ou embelezamento. Tal como o presunto caseiro demasiado curado ou o vinho do lavrador desequilibrado, os defeitos é que dão a textura. A mim, soube-me melhor esta brincadeira de duas gerações opostas do que a vasta maioria dos eventos produzidos sob a insígnia da tradição.
Os mais velhos contentes por ver que ainda não se perdeu todo o seu mundo e feliz por ensinar. Os mais jovens contentes por mostrar que sabem e com sede de aprender mais.
E assim gira mais uma vez o mundo...
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2 comentários:
Quer que se queira concordar ou não, discutir ou nem por isso, a tradição é transmissão, algo que passa de geração para geração ao longo dos tempos, canções, histórias, danças, etc...
Depois essa memoria colectiva individualiza se as vezes numa pessoa só e transforma-se e por isso é mutável e migra...
As danças passam de uns sítios para os outros, as cantigas também e adquirem atributos desses mesmos locais e por isso mesmo se canta a mesma musica em sítios diferentes de formas diferentes... Mas que se transmite, transmite, e que a informação passa, passa...
Assim fica claro que a tradição definitivamente não é o reportório mas sim a passagem deste e também o seu aumento, com novas variações.
O reportório é mais especifico Às musicas do mundo, ao que é essencialmente só isso...
A tradição transmite se em todo o lado, desde as grandes cidades ao rural profundo, mas quando chegamos a este novo mundo (…) verificamos que esta nova leva de pessoas (…) estão de facto muito mais preocupadas com o reportório e com o seu conhecimento individual mais do que com a transmissão (…)
http://www.rodobalho.com/modular-video/tradicao-transmissao-121108.html
O folclore Galaico Minhoto prima pela transmissão ORAL. É assim que ele era ensinado e esta maneira de comunicar vem dos nossos antepassados que também eles não tinham registos e usavam os bardos que cantavam histórias dos heróis e do comum.
Já estive envolvido em conversas em forums onde se discutia a mais valia de escrever as musicas folcloricas para que qualquer um pudesse toca-las mais genuinamente e preserva-las melhor.
Ora, estou agora convicto que isso não é o caminho certo. O caminho certo é ir às rusgas, às romarias, falar com os idosos, pesquisar e fazer levantamentos se ainda for possível.
Este é a unica maneira onde o folclore ganna a sua dimensão e só assim quem o toca o faz om verdadeira paixão. São conhecimentos conquistados in-loco que associaram para sempre aquela romaria, aquele senhor que lhe mostrou como tocar, aquela velhota que lhe cantou as quadras etc.
Escrever as modas aparece um tanto como uma batota legitimizada. Quando qualquer um terá a base de dados escrita de todo o foclore, então as romarias irão perder o encanto.
Sim porque muita gente as frequenta para aprender músicas e canções novas.
E neste processo de convivio e de transmissão onde reside a verdadeira magia da oralidade!
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