domingo, 22 de fevereiro de 2009

Memórias do um verdadeiro Carnaval...

Lembro-me de ser ainda criança, naquela fase em que a consciência começa a surgir nas nossas cabeças e nos faz estar conscientes do que nos rodeia. Quando ainda não percebemos mas já não estamos alheados do que se passa à nossa volta. Lembro-me deste Carnaval...

Recordo facilmente o que fazíamos em quanto crianças na minha aldeia quando esta ainda o era e não freguesia... Quando as tradições eram mantidas e perpetuadas através dos jovens. Não vai há muito tempo... Passariam 15 anos? Talvez nem tanto...

Assim, após a inevitável cerimónia católica, preparava-se o cortejo que iria cruzar os caminhos de terra e paralelo. Ornamentavam-se os carros de bois e os próprios animais Barrosões eram cuidadosamente tratados para que dignificassem os jugos ricamente esculpidos. Atrás destes seguiam as carrinhas onde seguiam a maioria dos participantes pois os tempos já tinham mudado.

As crianças, por entre lágrimas, eram mais ou menos forçadas a vestirem trajes litúrgicos enquanto que os mais velhos e independentes mascaravam-se da forma mais demoníaca possível. Estas ultimas, nesta altura já talvez inconscientemente, tinham o papel de afugentar os maus espíritos.

Visitavam-se as principais artérias da aldeia com alegria e alguns excessos. Ninguém se importa com isso mesmo que todos saibam quem são os mascarados. Esta é uma tarde de festa. Comida, bebida, e folia. Tudo era acompanhado por foguetes, música, risadas, comida e vinho.

Depois de toda a encenação Religiosa e Pagã, esperava-se depois pela noite onde se realizava a mais emblemática manifestação Carnavalesca de transição de estação. Esta variava sensivelmente de região para região mas existem sempre vários pontos comuns em todas elas. A presença do Velho e da sua queima são elementos omnipresentes em todos os Carnavais tradicionais.

Na minha terra, chamavam-lhe o "Arturinho" (vulgo Pai Velho), nome que davam ao Entrudo ou "Entruido". Fazia-se um boneco de palha que colocávamos num caixão pré-fabricado e simulávamos um enterro. Toda a aldeia, vestida de negro. Alguns enveredavam ainda as máscaras do outro mundo e alumiavam o caminho com velas fúnebres.

Durante este macabro cortejo, caracterizado por um misto de alegre ironia e estranha reverência, ouviam-se os choros gozões dos populares que exageravam nas lamentações desta encenação. Os gritos das mulheres soam-me agora a suplicas distantes. Como que se estivessem na altura a pedir socorro para um hábito milenar em vias de extinção.

Chegados ao local da queima, crucificava-se o boneco e atiçava-se-lhe lume. Previamente escondidas nas suas entranhas estavam morteiros de foguetes que davam uma certa espectacularidade à aniquilação da figura empalhada. Os despojos corpóreos do boneco eram deitados ao ribeiro para que desaparecerem para longe.

Por fim, ao contrário de um enterramento real, a alegria dominava as gentes de forma natural pois este ritual representa literalmente a morte do Inverno e o nascer da Primavera. Das cinzas nasce a vida e das do Inverno a da Primavera que todos ansiavam e precisavam.

Lembro-me do cheiro das fogueiras de lenha da poda no ar. Este perdurava semanas a fio e marcava sempre esta época Carnavalesca. Lembro-me do frio que sentíamos durante o cortejo e do impacto luminoso da queima do Arturinho.

Sinto saudades...

3 comentários:

Elaneobrigo disse...

a queima de bonecos de palha era uma constante na infância.

até chegamos a "pegar fogo" a uma latada de uvas por causa dessa brincadeira.

actualmente está tudo mudado e esquecido. esses festejos só existem nas minhas memorias de infância... o que me espanta é que ainda sou muito novo!

bom... continuando...

este ano falhei a uma das minhas tradições dos últimos 7 anos que era.. comer o chamado "butcho".

Um bolo tradicioanl feito pelas gentes de Parada do Monte, Melgaço (junto a Castro Laboreiro)com o qual se "comemora" o carnaval.

o bolo não leva carne, como eu inicialmente pensava, pois parecia-me uma ligação obvia.

o bolo leva, ovo, pão e mel. a receita não sei mas é excelente.

Anónimo disse...

"O_Galaico" esqueceu-se de aprovar o meus comentario no post da povoa :(

O Galaico disse...

Sr. Anónimo, não me lembro de ter recebido comentário sobre a povoa à bastante tempo...

Tente mandar outra vez, pode ser que tenha apagado sem querer ou que tenha havido qualquer falha no envio.

Cumprimentos.