Sentados à mesa, enfastiados de comida e descascando algumas laranjas colhidas lá fora para "atrasar", puxa-se uma conversa qualquer.
A nossa frente, os Sonhos, Bêbedas, Rabanadas entre outras. Pega-se na caneca de barro rompida pelo tempo que o "Falecido" tinha comprado e, por certo, já tem mais de 40 anos, e enche-se mais um malga... Dentro da "loja" cheira a lenha queimada da lareira e a resina das pinhas que estalam à sua frente.
Entretanto chega um dos irmãos que veio de uma caçada. Queixa-se da pouca caça e do mato que cobre tão intensamente os montes que pouco se pode fazer para ir buscar a maioria das peças abatidas.
"Nem os cães lá entram, só os Javalis..."
Claro que há mato diz um dos irmãos!:
"Antigamente, logo a seguir às vindimas, os lavradores iam ao monte roçar mato para o gado! Ia-se sempre nesta altura e na primavera. E todos já sabiam mais ou menos em que dia cada lavrador ia ao monte!
No dia anterior haviam os reguilas que iam ao monte apalpar o terreno para saber quais os melhores sítios para meter o carro. É que este trabalho é o pior que pode haver! Roçar mato era só para os homens! Assim, os espertos apareciam cedo e iam directos para os bons locais. Os mais morrões, apareciam tarde e depois olha... Tinham que roçar nos barrocos que era o diabo...
É que ir ao mato era uma arte! Tinha que saber! Alguns, os mais batidos escavavam regos pelo carreiro onde enfiaram os bois para nivelar o carro pois se não, ao subir, ficava tudo desequilibrado e riscava de tombar! E tantas vezes que tombava...
Imagina lá, depois de um dia inteiro a cortar mato e a encher o fardo (um homem tinha de encher um fardo, ou seja, um carro inteiro de mato por dia) , ao calor ou ao frio, tombar o carro! Por uma pedra, um animal que esticou de mais ou qualquer coisa e lá ia o mato ao chão... Alguns quase choravam com os nervos!
Mas olha... O lavrador dono do mato lá ia a correr buscar o vinho, sentava a gente num penedo ou numa parede, mandava acalmar e ficávamos 10 minutos a beber e comer um pedaço de broa. Isso para animar a malta... Depois, lá refaziam o carro tombado e iam pelo monte até ao destino...
Repara que aquilo, ao vir, era um alegria! Enfeitavam todos os carros com ramalhas das plantas que encontravam! Metiam-nas nos jugos, nas beiras dos carros e nos seus dentes! Quando se ia ao mato não se besuntavam os eixos aos carros só para eles chiar mais! Vinham carregados que quase vergavam! Xiiiiii Xiiiiii Xiiiiii... Chamavam-lhes as Chiadeiras!
E lá vinha a procissão!! Por vezes eram 15 ou mais carros! Todos o que pudessem ajudar vinham!
O cortejo era logo uma festa e, quando descia do monte, todos ouviam ao longe e vinham ver! Este era o pior trabalho da lavoura por isso exibiamos-nos! Mas olha que não era o fim dos problemas! Oh se era!!!
Os sabidos faziam carros compridos e menos largos! Eram mais dificeis de fazer e demorava mais tempo! Os outros, punham os carros largos e depois é que eram elas! Quantas vezes ao chegar às cancelas das casas os carros mais largos não passavam??!
Tinhamos de puxar o carro, empurra-los... As pedras das paredes até abanavam e os animais berravam com o esforços...
O pior era quando, com a força empregue, o carro partia! Dava-se ao meio por não passar!! Aí é que eram elas!! Coitado do homem que trousse o carro dele!! Ficava ali com uma despeza que não era brincadeira!! Mas era assim... Já sabia que os fardos tinham de ser montados estreitos e compridos...
Só depois de botar o mato no coberto é que se podia descansar. As pernas até tremiam de fraqueza! O lavrador da casa mandava vir vinho, pão e tudo o que tivese de bom! E tinha de haver música! Cantava-se e dançava-se! Depois de um frete daqueles os homens mereciam celebrar! Ah pois! E isso se quisessem ajuda se não, no ano seguinte ninguém lá aparecia!!
Não era brincadeira! O mato era prova de uma boa casa de lavradores! Um gado com corte de mato estava limpo e causava inveja! O mato das cortes era o melhor estrume! Um coberto cheio de mato era prova de uma boa cooperação da sociedade o que demonstrava o respeito que os outros tinham por aquela casa!
Havia aqueles que não usavam mato nas cortes. Andava o gado todo borrado, ninguém o comprava! Os campos, sem estrume não davam metade dos outros! Mas isso... olha.. Cada um fazia o que queria!"
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8 comentários:
Galaico,
Ler o que escreves traz-me memórias de coisas que não vivi, mas sei que foram assim.
As palavras que usas são as que se diziam há tanto tempo.
Fica o testemunho.
Obrigada.
Beijos grandes
Obrigado Lola pela visita!
Olha.. eu escrevo também sobre coisas que não vivi ou que então apenas acariciei na minha infância. Mas escrever sobre elas faz-me perceber a terra, perceber quem sou e de onde venho.
E as palavras antigas não são muito mais profundas? Mais palpáveis? Invocam mais memórias e respeito!... São como monumentos antigos contras os prédios de hoje em dia...
Acabo desejando-te sinceramente um bom ano de 2009!
ahahaha boa descrição.
sinto-me um preveligiado pois ainda vivi esss tempos e não sou assim tão velho.
adorava ir ao mato com o meu avô. antes de sair de casa, a minha vó fazia umas "gemadas" para dar força (gema de ovo batida com cevada) ou então a chamada "água de unto" (que era a água que sobrava depois da cozedura da banha de porco)!
depois saía-se de casa e sentia-se o frio das manhãs em contraste com o bafo quente do nariz das vacas.
punha-se umas "copas" de palha milha para alimentar as vacas no monte enquanto se roçava o mato.
cangava-se as vacas, punham-se as "furquilhas" engaços e enchadas no carro, uma corda enrolada nos dois fugueiros de trás e as mulheres preparavam a merenda ou "mata-bichto" (que era o bagaço; muito importante para fazer face ao frio do monte)
fazia-se o sinal da cruz e ia-se para o monte.
no monte faziam-se as "panadas" de mato e outros carregavam o carro e outros calcavam o mato no carro.
no final das roçadas, havia um pormenor importante que um encontrar uns "jasteiros" (giestas grandes) que se ponha ao longo de todo o carro. isto servia para acamar o mato e acima de tudo eram as "amarras" onde a gente segurava o carro para ele não tombar nem para subcarregar as vacas nas descidas!
e claro está, antes de sair do monte tinha que ficar tudo limpinho. fazia-se novamente o sinal da cruz e siga caminho!
Ehehe..
Estou a ver que vais acabar lavrador!
Isso sim é vida á seria!
Penso em ser lavrador a longo prazo.
tudo depende de como corre a vida e as forças.
segundo dizem por ai, estima-se que não haja reforma para a nosssa geração.
a lavoura poderá ser parte do nosso sustento.
Ó gente!
Eu ainda faço isso!
Venham a Areosa que vão comigo ao Monte.
Claro que não uso nem enxadas nem foucinhos. Uso roçadeira com discos de oito dentes que dá mais rendimento. O transporte já não é de carro de vacas mas com tractor.
E só não o faz quem para aí não estiver virado.
António Alves Barros Lopes
AFIFE
http://lopesdareosa.blogspot.com/
lopesdareosa@gmail.com
Seja bem vindo Sr. António Lopes.
De facto ainda se vê algumas pessoas ir ao mato..
Mas concordará comigo que todo o monumental ritual do processo antigo tinha um encanto (ou desencanto físico para os pobres que emprestavam o corpo a esta tarefa)que torna fútil as manobras das máquinas de hoje em dia!
Tenho um texto sobre o meu avô no meu blog.
O meu avô lavrador subiu este monte ao mato.
Cmpts
Barros Lopes
Afife
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