A tradição musical, construída por gerações de povo anónimo, representa uma secessão de comportamentos, da família e do indivíduo, que num gesto ritual se projectam no encanto musical e na riqueza literária.
A variedade instrumental é de uma notável importância organológica. Essa variedade é representada pelos numerosos cordofones, precursões e concertinas do Entre Douro e Minho, pelas gaitas transmontanas, pela sanfona portuguesa, pela gaita sanabresa e gaita zamorana (sanfona) da zona ocidental de Castela e Leão, e palas gaitas e precursões da Galiza e das Astúrias.
O Entre Douro e Minho, terra verde e escultural, berço da cultura castreja revela um filão etnológico repleto de religiosidade e saber popular. As fortes raízes dos costumes associados à Natureza formaram um corpo musical ora luminoso, ora negro e triste conforme a própria alternância dos ciclos naturais e a origem cerimonial dos festejos. A polifonia minhota lembra o cruzar das cores dos trajes ou uma delicada filigrana que nasce nos verdes campos.
Os instrumentos de corda predominam sobre as gaitas que caíram em considerável desuso, trazendo à luz uma nova riqueza das modas de romaria.
É no Entre Douro e Minho que podemos ouvir as braguesas, amarantinas e bandolins, as passagens exorcizantes dos Zés P`reiras com trovadas de bombos e caixas, ora isolados, ora acompanhados de gaita galega ou acordeão. Às romarias associa-se um vasto conjunto de danças e coreografia que desafiam a Natureza e os seus homens a darem as mãos em roda ou a elevarem os braços em sinal de alegria e de vitória.
O Nordeste transmontano, representado pela Gaita de Foles, a caixa de guerra e o bombo, recorda-nos a essência pastoril num contexto etnográfico assente em usos comunitários e práticas associadas à actividade agrícola, com as segadas e os seus cantos. A riqueza do folclore mirandês revela um grande número de danças onde se destacam os Lhaços de pauliteiros acompanhados pela Gaita de Foles, instrumento que aqui preservou o arcaísmo pastoril tornando-a numa relíquia do folclore peninsular.
A correspondência cultural entre o Nordeste Transmontano e a zona ocidental de Castela e Leão construiu uma área de transição cultural com elevado interesse etnomusical. As gentes da raia partilham elementos fonéticos e tradições musicais comuns. Notem-se, por exemplo, as semelhanças entre a Gaita Sanabresa e a Gaita Mirandesa ou o reportório comum nas práticas musicais de ambos os lados da fronteira. A zona ocidental de Castela e Leão possui um folclore de grande variedade onde se tocam instrumentos como a gaita sanabresa, a dulzaina, o rabel e a gaita charra (a fraita pastoril de Miranda do Douro).
A Galiza, constituindo a parte norte da Gallaecia histórica, partilha estreitas afinidades com o Norte de Portugal. Em toda a extensão da Galiza encontrámos um contexto etnocultural fértil em tradições musicais. A gaita, acompanhada do tamboril, da pandeireta e do bombo, constitui o instrumento principal do folclore galego. Com uma forte tradição ao nível da construção de instrumentos, nomeadamente no que diz respeito à evolução dos mesmos, a gaita ocupa um lugar destacado na Europa como pólo vivo de artesanato musical.Os instrumentos musicais são páginas vivas da tradição! _______________________________
Fonte
5 comentários:
Mais um excelente texto sobre um tema pelo qual me interesso. Estes instrumentos mesmo que não tocados falam. É o meu caso. Tenho alguns destes instrumentos que não toco com propriedade, mas cujo som me delicia e me enche a alma. mesmo sem saber tocar, a não ser umas modinhas, basta-me acordar pela manhã, soprar na gaita-de-foles ou dedilhar a concertina e logo o meu dia ganha um novo alento.
Excelente texto caro colega!
Sr. Jmtinoco,
Também alguns dos participantes do Ogalaico andam a aprender o dedilhar destes instrumentos.
Um na concertina e outro na Gaita!
Quem sabe se um dia não organizamos uma tocata por altura do São João! (Bem que precisa de mais festa pois por muitos cortejos qu hajam a maioira só la vai para exibirem os trajes e ir para casa...)
uma particularidade importante é a evolução musico-instrumental do entre douro e minho, depois do desuso de intrumentos mais "arcaicos" como a gaita de foles e as flautas.
essa mudança fez nascer indirectamente um riquissimo espolio de instrumentos cordofone, estabelecendo novos ritmos e melodias que marcaram definivimente as modas e danças do entre douro e minho (e por arrasto algumas outras zonas do mundo).
e falando dos novos isntrumentos de palheta, as concertinas, trouxeram à luz novas construções musicais mais complexas e vibrantes, catapultando-se entre todos como o instrumento nobre da região.
a sua diversidade de tonalidades (fa, do, la, re, sol) adapta-se às diversas modas de romaria, que variam de zona para zona.
cada romaria ou zona tem o seu tom especifico para a concertina, fruto, na minha maneira de ver, de uma certa procura de coesão entre os que cantavam e os que tocavam!
no geral, as gaitas de foles, sendo um intrumento espalhado por todos os cantos do mundo, assume-se na região da gallaecia como o mais representativo da mesma.
ela tem lugar nas diversas partes da mesma assim como os "bombos".
Não tenho muita percepção da ideia que as pessoas têm sobre mim, mas quando digo que adoro música tradicional minhota e as danças folclóricas (que na região de Guimarães são profundamente contagiantes), as pessoas ficam extremamente surpreendidas. Quando dou por mim, estou a bater o pé ao som dos Zés Pereiras e a dançar ao som de uma concertina. :-D
Relativamente ao texto apresentado, dou os parabéns ao autor pela riqueza da informação.
Beijinhos
Olá Clara!
Também nós aqui no Ogalaico somos apaixonados pelo foclore. Da minha parte, há já 2 anos que o meu MP3 só tem folclore.
As pessoas tem uma percepção do folk como uma coisa de campónio mas, quem estudar um pouco esta nossa musica encontrará uma riqueza e um valor inestimável.
Enviar um comentário