sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

"Ala-Arriba" Marca Poveira

Dado a nossa humilde dedicação à etnografia da antiga região da gallaecia, não poderíamos deixar de referir a grandiosa obra de etnoficção de José Leitão de Barros: ALA-ARRIBA.
Trata-se de uma autêntica antropologia visual de 1942 que retrata a comunidade piscatória da Póvoa de Varzim, com seus hábitos culturais muito próprios e antigos. Ala-Arriba é uma expressão poveira que significa “força para cima” usada quando encalhavam os barcos no mar.

É interpretado não por actores profissionais mas por verdadeiros pescadores, que falam mantendo o seu característico sotaque, mostrando genuínas vivências, o sofrimento das gentes de uma Póvoa de Varzim, unidos em forte comunidade, mas ao mesmo tempo uma comunidade dividida em diferentes castas sociais. A história centra-se à volta de uma história de amor entre uma rapariga lanchã e um sardinheiro.
Uma obra brilhantemente pioneira em muitos aspectos, basta o facto de ter sido a primeira longa metragem de docuficção portuguesa e a segunda na história do cinema, a primeira foi MOANA de 1926 realizada por Robert Flaherty dos EUA. Alem do mais arrecadou o primeiro prémio para o cinema Português com a Taça Biennali no Festival de Veneza de 1942!

A visualização do filme, que por sinal considero-o como meu filme português favorito, avivou-me a memória em relação às chamadas Siglas Poveiras.

As siglas poveiras são marcas usadas durante séculos pelas gentes de Povoa de Varzim, especialmente os pescadores, funcionando como uma “proto-escrita primitiva”.Não são marcas organizadas ao capricho de cada um, mas antes, simbolismos ou brasões das famílias, usadas desde tempos imemoriais pela comunidade.

As siglas eram passadas do pai para o filho mais novo. Na tradição poveira, que ainda perdura, o herdeiro da família é o filho mais novo tal como na antiga Bretanha e Dinamarca.

Com estes símbolos marcam-se os objectos marítimos e caseiros, funcionando como um registo de propriedade. No passado, era também usado para recordar coisas como casamentos, viagens ou dívidas. Os vendedores registavam essas marcas no seu livro de contas fiadas e quando os poveiros casavam escreviam a canivete a sua marca na mesa da sacristia da igreja matriz.

Devido a isso eram conhecidas como a "escrita" poveira, sendo bastante usada porque muitos dos habitantes desconheciam o alfabeto latino, e assim as runas adquiriram bastante utilidade.

As siglas-base consistiam num número bastante restrito de símbolos dos quais derivavam a maioria das marcas familiares; estes símbolos incluíam o arpão, o coice, a colhorda, a lanchinha, o sarilho, o pique (incluindo a grade que era composta de piques cruzados).

Muitos destes símbolos são bastante semelhantes aos que são encontrados no Norte da Europa e geralmente possuiam uma conotação mágico-religiosa de protecção quando pintados nos barcos. Por exemplo o Sanselimão era usado como simbolo protector.

Alguns autores apontam para o facto de as siglas estarem relacionadas com os povos castrejos, outros comparam-nas com os chamados de bomärken (marcas de casa) da Escandinávia e que foram introduzidas com a colonização Viking.

Contudo o interessante deste importantíssimo legado é o facto de estas marcas estarem espalhadas um pouco por todo o Noroeste Peninsular, em especial no Minho e Galiza.
Os Poveiros, ao longo de gerações, costumavam gravar nas portas das capelas perto de areais ou montes a sua marca como documento de passagem ou como promessas da campanha.

Isso pode ser verificado na Nossa Senhora da Bonança, em Esposende, e Santa Trega (Santa Tecla) na Galiza, onde as suas antigas portas estão cobertas de marcas poveiras.

Os montes perto da costa, por serem visíveis do mar, têm importância na religiosidade dos poveiros. Outrora, os pescadores iam ao monte rezar à Santa Tecla num ritual com cantigas de forma a mudar os ventos para que pudessem regressar a casa.

Minha rica Santa Trega
Dai-nos ventinho da pôpa
Que nos queremos ir embora
E temos a vela rôta

Os templos da Senhora da Abadia e S. Bento da Porta Aberta, em Terras de Bouro, São Torcato, em Guimarães, Senhora da Guia, em Vila do Conde, e Santa Cruz, em Balazar, Póvoa de Varzim, tem todos larga documentação destas siglas, que atestam a grande fé dos Poveiros nos santos invocados.
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Fontes: 123

O Filme:

"Ala-Arriba!!!"



















14 comentários:

O Galaico disse...

Sem dúvida as gentes Poveiras são gentes especiais.

As siglas já as conhecia desde que me deparei com elas no São Bento da Porta Aberta.

De realçar a fé intensa e a força de carácter imenso que se retratam nas romarias tão distantes a Santa Tecla ou ao São Bento da Porta aberta.

O ilme é uma obra prima especialmente para quem, como nós, se interessa pelas características etnográficas da nossa terra.

Excelente contribuição caro camarada!

A Respigadeira disse...

O filme é de facto um tesouro para quer para etnógrafos, quer para leigos.

Parabéns pelo excelente post.

Elaneobrigo disse...

os parabens aqui recebidos remeto-os para as nossas gentes, e neste caso especial, para o povo poveiro.

eles são o nosso orgulho, a nossa luz e a nossa raís enquanto individuos globalizados por todo o contexto actual.

Anónimo disse...

muito interessante, espero ver logo que arranje tempo

Ja agora alem do patrimonio cultural, siglas, vestimentas, modo de vida, sotaque, etc, notaram algo de diferente a nivel do patrimonio genético poveiro durante o filme através da fisionomia, fenotipo? vêem-se muitos galaico-vikings? muitos galaicos com cabelos loiros ou olhos claros por causa da colonização viking?

O Galaico disse...

Caro Sr. Anónimo.

Como o filme é da década de 40, dificilmente podemos concluir algo acerca da cor de cabelo.

No entanto vale a pena referir que dificilmente a componente étnica fisionómica tenha ficado preservada.

Depois de mais de um milénio de interacção com os povos nativos dificilmente se poderia chegar á nossa era com alguma especificidade física de nota.

No caso da cultura no entanto, é mais fácil preservar certos aspectos pois ao contrario da etnia, esta transmite-se de geração para geração sem ser afectada pela mistura genética.

Fica ainda por definir o que é o genoma Vicking. Se for como o Celta então anda muita gente enganada. Os Celtas que colonizaram a irlanda por ex, e que sairam da Gallecia, não eram loiros nem ruivos. O Irish Book of Invasions define claramente homens de cabelo negro.

Os "Black Irish" são o tipo mais frequente de Irlandeses o que não é de estranhar quando os testes de ADN definem que os Irlandeses tem origem não no centro da Europa mas no Noroeste Ibérico.

Quanto aos Vickings e admitindo que estes sim, são loiros por viverem em terras nórdicas, não penso que isso tenha hoje algum impacto relevante nos poveiros.

O que sei é que existe uma percentagem muito maior de loiros e olhos azuis no Norte de Portugal (18%) do que no resto do país. Isso deve-se provavelmente ao longos domínios dos reinos germânicos que se prolongaram bem par além dos do sul e assim deixaram mais impressões genéticas no território da Galiza histórica.

Anónimo disse...

Desconhecia este filme, mas achoo de maximo interesse para qualquer galaico.
A imagen... a lingua (fermossissimo sotaque)... os costumes. E umha maravilha.
Moito obrigado polo dar a conhecer.

Saude

O Galaico disse...

De facto amigo Amil Couto!

A pronuncia foi do que mais me fascinou no filme.

Uma oportunidde ujnica de ouvir genuinas palavras antigas e sem manipulação lisboeta.

Anónimo disse...

Já ouvi falar dum antigo estudo racial que dizia que na Póvoa havia mais fenotipo nórdico do que no resto do Norte, daí perguntar.
Quando me falaram do estudo, penso que fiquei com a ideia de que fora feito ha uns 100 ou 150 anos. Portanto pensei que ainda estivesse bem preservado quando esse filme foi feito.

Agora calculo que essa identidade galaico-viking tenha sido destruida. Ouvi dizer que a Póvoa triplicou a sua população nos ultimos recentes anos e concerteza não se deveu à natalidade dos Poveiros mas à vinda de gente de fora, portanto infelizmente é algo que já se perdeu com muita pena minha, a menos que expulsassem todos os de fora e mantivessem apenas os verdadeiros Poveiros.

Infelizmente a nossa herança racial que era das mais bem preservadas da peninsula, está a ser completamente destruida nesta geração. A Póvoa mudou radicalmente nos ultimos anos, assim como Braga que recebeu imensa gente de fora e calculo que seja o mesmo por todo o norte. Também várias aldeias desapareceram. Pouca natalidade, emigração devido ao desemprego e miseraveis salários e imigração, estão a acabar com o nosso povo.

Só ganha meia duzia de empresários que conseguem manter baixos salários à custa da imigração do 3 mundo enquanto nós nos vemos obrigados a emigrar para fora e a afastarmo-nos da terra, da familia, dos amigos..

O Galaico disse...

Sr, anónimo,

De facto a Póvoa é das comunidade piscatórias que mais mudaram e talvez desapareceram.

O crescimento turístico e toda a sua acção slibalizadora há muito que acabaram com o genoma poveiro!

De modo geral as cidades também tem perdido genuinidade neste aspecto mas no Norte penso ainda que temos uma excepcional vantagem...

Por norma nós imigramos para fora e não há muito quem imigre para dentro. Há estrangeiros claro mas os casos de casamentos entre Galaicos e estes são ocasionais.

Anónimo disse...

que aconteceu à minha mensagem? nao recebeu?

Anónimo disse...

"Por norma nós imigramos para fora e não há muito quem imigre para dentro."

Se é para fora, então Emigramos, não imigramos.
Emigramos quando nós vamos para um país estrangeiro e deixamos o Norte.
Imigram quando imigrantes, estrangeiros vêm para o Norte.

Mesmo com essa pouca imigração que refere, o facto é que a pouca imigração foi suficiente para acabar com o genoma Poveiro e Bracarense (da cidade de Braga), Portuense e concerteza de muitas outras cidades Nortenhas que ha 1 geração estavam muitissimo bem preservadas.
Depois com a imensa Emigração, muitas aldeias desapareceram e certas regiões tornaram-se pouco povoadas, quase desertas e ainda por cima receberam alguns imigrantes, pelo que mesmo sendo poucos imigrantes em número , em % são muitos e com a média de filhos que eles costumam ter, são mesmo muitos, são os suficientes para alterar um povo.


Um amigo meu defende a criação de bancos de genes para se poder fazer uma gravação de como era o povo Galaico antes deste desaparecer e penso que ainda iriamos a tempo e talvez seja esta a unica solução.
No caso da Povoa e Braga, bastaria tirar os genes dos adultos acima de 30 ou 40 anos que nasceram na cidade e arredores e teriamos o caso resolvido.

Dos nossos vários dialectos que nesta geração também irão desaparecer, também só nos restará as gravações. No caso do nosso património genético teriamos os bancos de genes.

O Galaico disse...

Sr. Anónimo.

Antes de mais obrigado pela correcção ortográfica. E sempre bom verificar que há leitores atentos...

Quanto as histórias dos genomas... Não sei que lhe diga. Para mim, pessoalmente, é um disparate.

O Sr. Parte do principio que o sangue sempre foi limpo e puro. Isso é mais que errado.

Sangue Ibérico, Céltico, Germânico e residualmente mozárabe está presente na Galécia.

Que genoma misterioso é esse de que fala?

Eu compreendo a sua preocupação quanto À imigração e os seus efeitos mas esta do "Genoma" é um mito sem sentido.

O que interessa é a cultura e a memória. Enquanto ela existir a Gallaecia viverá sempre independentemente da percentagem de sangue de X ou X étnia.

A mistura racial africana, brasileira etc, será sempre minoritária nas terras Galaicas.

Não sei onde foi descobrir que o Porto e Braga tem sangue "mestiço"...

Não acredite nos seus pesadelos...

Não me venha por favor depois com a conversa de que sem sangue tudo se perde etc. Já conheço esta cantiga e não concordo.

Como disse NÃO EXISTE GENOMA GALAICO. Isso é uma idealização sua. Depois, a memória é que mantém viva a Gallaecia.

Um país de ignorantes "puro sangue" vale muito menos que um país aberto a algumas influências e completamente consciente da sua cultura e origem.

INFELIZMENTE estamos mais perto do 1º caso que do 2º.

Autocataclismo Kassette Bojarda disse...

Bom, eu como poveiro nascido e criado estava a achar a discussão muito interessante até virem com as tretas do "genoma" que ainda por cima é um termo mal utilizado para o caso.

É certo e mais que óbvio que aquela comunidade de pescadores como se vê no filme deixou de existir, mas quem é da Póvoa e vê o filme não deixa de se sentir em casa porque as pessoas falam assim, agem assim e relacionam-se assim, e isso não tem nada a ver com genes, tem a ver com a cultura que quanto mais específica for tão mais forte será. Basta ir à Vila para se perceber a grande diferença, e mal acaba uma começa a outra.

A Póvoa é uma cidade turística, sem dúvida, mas já o era há 200 anos quando se tornou uma das primeiras, senão a primeira, zona de banhos do país. Até a corte cá vinha. Hoje continua a sua sina, para o bem e para o mal.
Seria sequer possível imaginar que a Póvoa iria ficar parada no tempo a bem da pureza étnica da raça?!? Por favor, tenham bom juízo! Ao indivíduo que escreveu isso aconselho-o a ingressar no PNR (se é que ainda não o fez), onde encontraria muitos seguidores da sua doutrina.

A Póvoa e os Poveiros orgulham-se da sua herança, e será preciso mais que uns prédios altos e cámones de veraneio para nos mudarem. Se me perguntarem se esta riqueza não poderia ser melhor aproveitada e projectada, não direi que não, e quem sabe até direi que sim.

Cumprimentos.
Augusto R.

O Galaico disse...

Sr. Augusto, obrigado pelo bom comentário.