terça-feira, 20 de maio de 2008

Contos de Assombrar do Minho Vol.II



Eu já sou uma rapaz crescido e até quando o não era raramente me deixava impressionar.

Creiam em mim! Que eu deixei de o fazer oficialmente (porque no meu âmago já o suspeitava a algum tempo) no pai Natal aos 6 anos.

Porém, certas vezes somos tentados em deixar-nos levar pela dúvida. Ou talvez seja pelo conforto de acreditar que há algo mais do que a vida que nós conhecemos e prevemos. Também a excitação do desconhecido pode influenciar a nossa firmeza e abrir brechas por onde entra a incoerência.

Todas estas hipóteses que podem ser verdades efectivas dependendo da pessoa e da situação, desaparecem quando nos deparamos com testemunhos credíveis e factos mais ou menos fidedignos. Neste preciso momento também param os sorrisos, deixam de brilhar os olhos e o calor da confraternização dá lugar a suores frios e a sentimentos antagónicos.

O conto que agora vos vou narrar teve em mim o efeito do costume. Ou seja, divertiu-me e pôs-me a pensar em quão estranha era vida antigamente onde qualquer acontecimento se explicava das mais mirabolantes maneiras. Isso foi contudo a minha reacção aquando a primeira vez que me o contaram...

Porque é que mudei de opinião à segunda perguntam vocês?

Bem... Isso porque a segunda e terceira narrativa vieram de outros familiares e amigos que afirmam a pés juntos, quando lhes peço para falar dos tempos sombrios do antigamente, que tal lhes sucedeu. A minha perplexidade aumentou quando desconheciam que a mesma coisa tinha acontecido a fulano. Num dos casos as pessoas nem se conhecem e moram em aldeias diferentes...

Irei agora proceder à narrativa desta primeira vez que me recitaram este conto estranho. Foi a minha avó materna. Ela que imigrou para a margem sul quando se criaram as grandes siderurgias durante o estado novo, tem sempre um brilho nos olhos quando evoca a sua infância e mocidade passada em terras Minhotas.

Naquele tempo, ainda eu era criança, mandavam-me de férias para uma casinha (hoje rodeada de bairros sociais e todos os seus defeitos) envolta por quintas de laranjeiras. Próximo daí, o rio Sado criava os seus vagarosos entrelaçados enchendo de e esvaziando as salinas. Todo este ambiente era para mim diferente. A erva era seca, o ar quente e pesado. Por vezes o cheiro à maresia chegava ao terraço ao qual subia com a minha avó, muitas vezes de noite, onde encontrávamos refugio do calor e das melgas. Naquele tempo aquela terra era agradável.

Certa noite pusemos o colchão no meio to terraço e deitamos-nos a olhar para as estrelas. Daí as histórias fluíam e eu absorvia-as extasiado e imaginando fervorosamente todos os cenários que ela me sugeria.

"Um dia o teu avô (Paterno pois a minha avó Materna era naquele tempo sua criada de servir) pediu-me que fosse com ele buscar um carro de mato que tinha ficado na beira de um monte."

"Já estava a ficar noite e eu estava cansada. Os dias naquele tempo eram longos e eram passados sempre a trabalhar. Fosse na lavoura, nos afazeres domésticos, na bicharia ou nos trabalhos manuais do linho, havia constantemente muita coisa para ocupar o tempo. Especialmente se se fosse criada como eu o era..."

"Fomos então com os bois pelo carreiro e lá pusemos o jugo neles para que puxassem a carroça e também a mim que já me tinha deitado o melhor que podia em cima do mato! Esgotada como estava, e como teu avô ia a pé segurando os animais, deixei-me logo dormir! O tempo já ia fresco em Outubro mas ainda o ar era doce."

"Lembro-me de começar a sonhar naquele meio torpor em que me encontrava. Não me recordo bem mas, o que sei, é que tinha algo a ver com sinos. Sinos estranhos que batiam como nunca tinha ouvido antes. Em nenhuma terra nem romaria que tivesse ido, tinham tão singulares sons penetrado tão fundo na minha alma. Batiam cada vez mais alto e ferozmente que o movimento frenético causava um vento irreal e frígido! Desprovido de vida! Isso até que o som deles, de tão incomodativos fizeram que me acordasse sobressaltada!"

"Acordei confusa em cima do carro. Não sabia porque é que o sonho não acabava mesmo depois de estar acordada. Cheguei a duvidar.. Estaria acordada ou imaginaria eu te-lo feito? Tive a certeza quando um ouriço de castanheiro caiu em cima de mim. A dor foi a prova que estava num plano mental consciente."

"Na verdade, os ouriços voavam do castanheiros impelidos pelo vento diabólico que se sentia. E aqueles sinos! Oh, meu filho! Aqueles sinos invisíveis! Pareciam que estavam por cima das nossas cabeças mas , quando olhava para cima já só via as estrelas! Aqueles sinos eram de lá de cima! Só podem!

- E o paizinho (o meu avô paterno)? Onde estava? Que disse? - Perguntei assustado.

"O teu avô, meu filho... O teu avô, quando acordei e olhei a minha volta já ia a correr como um doido pelo carreiro acima! Deixou-me ali sozinha sem saber o que se estava a passar!"

- O que fizeste? O que aconteceu?

"Saltei do carro! Escondi-me por baixo dele uns momentos até que aquilo acalmasse. E acalmou de repente! As arvores que quase se tinham partido de tanto dobrar, estavam agora imóveis e havia um silencio de Morte. A noite parecia mais escura que nunca!"

"A seguir, saí debaixo do carro, bati nos bois para que estes andassem. Mas eles não se mexiam! Tinam os olhos abertos e negros como breu! Não havia nada a fazer... Ou estavam aterrorizados ou alguma coisa os prendia ali! O mal é que eu não podia ir embora sem os trazer. Se fizesse isso o teu avô era bem capaz de me dar uma carga de porrada... Isso naquele tempo era assim!"

- Como fizeste então?

"Não fiz nada! Fiquei ali parada a pensar o que fazer quando de repente os animais vieram a eles! Foi como quando se retém a respiração e ao fim de um minuto deixamos o ar sair dos pulmões... Parece que voltamos à vida não é? Pois bem, foi isso mesmo que lhes aconteceu!"

"Daí, subi o caminho sozinha com os bois e um carro de mato! Uma moça nova como eu, cheia de medo, cansada como o mundo e em plena noite...!!"

-Que se passou depois em casa?

"Olha! Ainda me assombra a cara do teu avô quando lá entrei. Branco como a cal, de cabeça nas mãos, tinha esperado por mim e disse-me"

"Emília! Peço desculpa por ter fugido mas o que aconteceu ali nom era desse mundo! Nom consegui ficar ali!"

"Nom tem problema..."

"Mais uma cousa... Proibo-te de falar disso a alguém que seja! Se o contares vais ter de ter haver comigo!..."

" E assim vivi alguns anos com esta história na cabeça, o medo dilacerante no peito quando passava por baixo daquele castanheiro que ainda lá existe e aquele som nos ouvidos! Oh Filho! Deus me perdoe mas quantas vezes acordei assustada com o chamamento matutino para a missa? E então quando o vento soprava de Norte e trazia de madrugada o som do Sameiro? Pareciam-me chamamentos do além! Oh meu querido neto! O que eu rezei para sair daquela casa e afastar-me desta recordação..."

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Esta foi a versão da minha avó e a primeira vez que ouvi o relato do vento estonteante e dos sinos misteriosos.

Dali para a frente mais 3 pessoas juraram que uma coisa semelhante lhes tinha acontecido.

A primeira destas foi o meu pai.

Quando curioso o questionei perguntando-lhe se já alguma coisa estranha e inexplicável lhe tinha acontecido, deparei-me com a história de como certa noite, ao vir da sessão de Far-West da única televisão das freguesias mais próximas, foi surpreendido por um vendaval inexplicável que quebrou o milho todo à sua volta. Também referiu os sinos que segundo ele "...tocavam em todas as igrejas mais próximas..."

Ficou dobrado sobre si mesmo em choro de terror várias horas até o sol despontar. Quando ganhou coragem para abrir os olhos, os campos de milho estavam intactos...

Note que se aquando da descrição da minha avó, ouvi divertido e prevenido acerca da arte de contar histórias dos mais velhos, agora, com meu pai, isso era diferente. Ele nunca foi dado a brincadeiras e desvairios deste tipo...

A segunda pessoa foi um amigo meu, Um pouco mais velho que vive numa freguesia vizinha e não conhecera minha avó nem tão pouco teve confiança com o meu pai que justificasse mais que um Ola bom dia!

No caso dele, numa noite de verão em que não tinha dinheiro para gasolina, foi para o café a pé em vez da motinha do costume. Quando passou pelo monte do lugar de onde mora, mais do mesmo. A descrição é arrepiantemente coerente com os outros relatos. Nunca mais andou a pé de noite pelos campos.

O último caso é menos credível pois tratasse de um conhecido bêbado que certa noite entrou na tasca que meu pai geria completamente lívido. Por entre os gagejos dele e os risos incisivos do resto dos clientes percebeu-se que estava aflito por causa do vento e dos sinos que o perseguiram durante o caminho.

Todos riam agarrados ao estômago por mais uma delírio de um dos cromos locais. Todos menos eu e o meu pai que trocamos um olhar estranho e difícil de descrever...

4 comentários:

Anónimo disse...

Muitas estórias dessa natureza se contam pelas nossa bandas....

mas só uma pequena parte delas nos deixa ancorados numa irracional apreensão!

Outro promenor é que, das que conheço, poucas se repetem!

Camada essa estória estremesse com a alma mais lúcida de um nortenho!

Principalmente para aqueles que andam de noite à aventura!

Anónimo disse...

Meu caro amigo,

Em 1994, a acampar em Sta. Maria do Bouro com 3 amigos, junto de uma represa, aconteceu exactamente o mesmo, mas não ouvimos sinos. Um vendaval tal, que partiu tudo, as tendas voaram e uma árvore ficou completamente dobrada. Durou aproximadamente 5 minutos e depois tudo acalmou.

O Galaico disse...

Caro Miguel Pedro.

Fico feliz por haverem pessoas que não me deixam mentir!

Coisas estranhas aconteciam nesta terra...

Hamleikah disse...

Em Adaúfe também se contavam essas estórias, mas dizia-se que era o "corredor"... Não sabiam o que era, mas só ouviam muito "vento" e sempre de noite. (diziam que era o Diabo que passava ali para levar alguém...)