segunda-feira, 16 de junho de 2008

A lenda dos 4 Irmãos


Existe a poucos minutos a pé de minha casa um local estranho onde se pode ver um enigmático monumento de pedra cujo dizem os antigos, serem as 4 campas de 4 irmãos.

A lenda que é conhecida de todos nas freguesias vizinhas conta que:

Eram quatro irmãos. Fortes e belos. E amigos. Como não se conheciam outros. Quatro irmãos, órfãos de pai e mãe. Mas tão unidos que serviam de exemplo. Exemplo de lealdade e de compreensão.

Pois os quatro irmãos viviam ali, na freguesia de Sande, no cenário paradisíaco do Minho, e andavam sempre juntos. Um dia, o mais velho disse para os outros três:

- Rapazes! Vamos hoje à Feira Grande. Já tenho o carro aparelhado. Voltou - se para o mais novo.

- Tu, arranja o farnel!... Leva bastante comida, Hem! Vamos lá passar todo o dia e talvez mesmo um bocado da noite.

Depois dirigiu-se aos outros dois:

- E vocês preparem mantas para o regresso. Podemos voltar tarde e é capaz de arrefecer. Temos de ter cautela com a saúde!

Não tardaram a ser cumpridas as ordens do irmãos mais velho. Este esfregou as mãos, jubilosamente.

- Assim, até apetece.Quando nós, os quatro irmãos, nos metemos ao trabalho, tudo se faz numa instante!

Riram todos. Quatro gargalhadas frescas e sadias.

Apontando o carro já preparado para a viagem, o irmão mais velho acentuou: - Vai ser um dia bem passado, lá isso vai!... Ou muito me engano, ou a Feira Grande este ano subirá de fama nas redondezas!

Os outros três corroboraram logo:

- Claro! Nós somo bem conhecidos e já nos esperam com toda a certeza! - Seremos mais uma vez a grande atracção da feira, vocês vão ver! - Quem é que pode resistir a boa amizade de nós quatro?...

E os quatro irmãos tomaram os seus lugares no carro e abalaram de corrida para a Feira Grande.

Tudo se passou tal como eles pensavam. A certa altura, tinham-se transformado nos heróis da Ferira Grande. Quatro heróis. Sempre juntos, sempre amigos!

Porém, a multidão foi crescendo, aumentando, e acabou por separá-los, mau grado deles.

O mais novo dos quatro irmãos viu-se de súbito diante duma jovem de extraordinária formosura. Pareceu um pouco aturdido. Não se sentia bem. Faltava-lhe a companhia dos outros três. E tentou continuar à procura deles. Mas a jovem formosa cortou-lhe a passagem, olhou-o bem de frente e disse sorrindo:

- Escusais de pensar encontrar agora os vossos irmãos.

E acentuando o riso e o olhar:

- Fui eu própria que vos separei.

O mais novo dos quatro reflectiu primeiro com surpresa, depois curiosidade. - Vós, Senhora?... Mas.para quê?...Por que motivo?

Ela inclinou-se para a frente. O seu perfume perturbou-o.

- Não gosto de concorrentes.Até à vossa chegada, era eu a rainha da festa! Foi a vez do jovem sorrir.

- E continuais a ser, sem dúvida alguma.

Depois, talvez arrastado pelo perfume que aspirava, prosseguiu:

- A vossa beleza, Senhora, é superior a tudo quanto nos rodeia!

Ela meneou os seus belos cabelos negros, num ar de graça.

- Obrigada pelo madrigal!...Já vejo que sois poeta!

O rapaz começou a sentir-se mais à vontade.

- Se poesia se pode chamar à verdade, Senhora.Então, sim, sou poeta para cantar a vossa formosura.

Sem querer ( ou talvez não) as mãos dela tocaram as mãos dele.

- Deveras me lisonjeais com tais palavras.Embora ainda tão novo, já sabeis falar muito bem!

O seu olhar tornou-se muito triste.

- Mas sereis eu merecedora de tanta atenção?...

O mais novo dos quatro irmãos empertigou-se. Ganhou figura.

- Digo-vos mais, Senhora. Se vós quisésseis.

- Se eu quisesse?...

- Poderíamos ser felizes!

Calaram-se. Ela, a meditar. Ele, surpreendido com a ousadia das suas próprias palavras. E ainda desta vez foi a jovem bela e estranha a primeira a falar. - Que dirão os vossos irmãos. quando souberem do nosso encontro?

Ele pareceu cair do sonho na realidade. Teve um movimento brusco de enervamento, a traduzir íntima inquietação.

- Tendes razão, senhora. Preciso de falar imediatamente com os meus irmãos. E agora, atrevidamente, foi o rapaz quem segurou as mãos dela, apertando-as nas suas. Com a violência do amor da juventude.

- Senhora, por tudo vos peço que não vos afasteis daqui. Eu voltarei em breve, para ficarmos juntos até à feira acabar!

Multiplicando-se em esforços, o mais novo dos quatro irmãos foi rompendo por entre a multidão, até que finalmente conseguiu encontrar os outros.

Ofegante, correu para eles.

- Irmãos!... Irmãos!... Ainda bem que os encontrei!

O mais velho fitou-o. Curioso e inquieto. Talvez desconfiado.

- Que se passa? Que tens tu?

Então o outro , lentamente, olhou os três, um por um, e disse devagar, silabando bem para que ouvissem melhor.

- Apaixonei-me!

Houve gargalhadas. Mas gargalhadas diferentes. Conforme as reacções de cada um.

- Deves ter bebido, com certeza!

- Apaixonado? Por alguma rapariguita da tua idade?

- Que partida é essa que tu nos queres pregar?

Mas, sem fazer caso, nem da troça, nem do desdém, nem da descrença, o mais novo dos quatro contou o seu maravilhoso encontro com a jovem formosa.

Os comentários choveram imediatamente:

- Se ela é assim, eu também a quero ver!

- Primeiro estou eu, que sou mais velho do que tu!

- Isso não interessa. Quem chegar primeiro é que vence!

- Porque não a trouxeste contigo?

- Foste um parvo! A esta hora já fugiu.

- Eu vou procurá-la!

- Nada disso. Quem vai sou eu!

De repente, o irmão mais velho resolveu impor a sua autoridade. Pela primeira vez na vida dos quatro irmãos.

- Calem-se! Sou eu o mais velho de todos. Portanto sou eu que vou falar com a tal jovem. Depois lhes direi a minha opinião.

Simplesmente, tal como se conta, ele esqueceu-se de perguntar qual o local onde a rapariga ficara. E, assim, teve de percorrer a Feira Grande em várias direcções, sem que a descobrisse.

Já estava prestes a desistir, quando ouviu alguém rir mesmo junto de si. Voltou-se. Era uma rapariga estranhamente bela.

- Não me digais que sois vós o tal irmão mais velho que anda à minha procura.

Ele suspirou. Encontrara-a, finalmente! E confessou:

- Sou eu, sim . E tenho muito prazer em verificar que o meu irmão mais novo falou verdade!

Ela tornou a rir. Um riso cristalino mas esquisito.

- Perdoai, Senhora. Posso saber porque razão estais tão alegre?

Ela envolveu-o num olhar meigo e perturbador. Irónico também.

- Estou a rir. porque já todos passaram por aqui. Os outros vossos três irmãos! - Eles fizeram isso?

- E porque não?

As duas perguntas quase se chocaram. Depois o irmão mais velho tentou esclarecer:

- Não o deviam ter feito.Sabiam que eu tinha vindo precisamente à vossa procura. Para falar primeiro convosco, Senhora!... Eu tenho essas primazia. Sou o mais velho dos quatro!

Os olhos dela semicerraram-se, num olhar felino.

- Pois escutai, então. Eles passaram por aqui. e estão apaixonados por mim! Seria um desafio? Ele assim o entendeu. E não hesitou na resposta:

- Pior para eles!... Só eu, Senhora, tenho direito ao vosso amor!

A surpresa pareceu estampar-se no rosto da rapariga. Surpresa sincera. Surpresa grande.

- Como? Que dizeis?... Tendes o direito ao meu amor? Porquê?

Ele compreendeu que se excedera. Procurou adoçar a explicação:

- Bem vedes, Senhora. Sou o mais velho dos quatro. O mais experiente. O que mais vos pode oferecer. Os outros dependem de mim.

Entendeis-me, não é assim' Como mais velho, devo ter sempre a prioridade! Ela pareceu não se conformar.

- Enganais-vos. Em amor, não há prioridade. Só eu posso decidir. Ouvis bem? Só eu quero decidir!

O homem achou melhor não prolongar a discussão. E limitou-se a perguntar: - Se assim é. que decidis?

Altiva, mais bela do que nunca, a estranha desconhecida ditou então ao vento a sua resposta, como se o vento levasse as palavras para a eternidade: - Quereis saber o que eu disse aos vossos três irmãos?... Escutai, pois: Casarei com aquele que entre vós for o mais valente e o mais forte!

Agora foi ele a rir. Um riso de triunfo.

- Mas, Senhora, eu sou tudo isso!

E logo ela, num ar gaiato e provocante, inquiriu:

- Como o provais?...

Diante da falta de resposta, continuou:

- Cada um dos vossos três irmãos afirmou também que era o mais forte e o mais valente!

- Mas eu sou o mais velho, Senhora!

Ela encolheu os ombros, espicaçando-lhe o brio.

- Isso nada prova!

O homem agarrou-a pelos ombros, num decisão súbita.

- Que desejais?

E a rapariga, libertando-se sem grande esforço, acentuou pausadamente:

- Já que me quereis. é preciso que os quatro lutem entre si, até que um fique vencedor dos outros três. Esse será o mais valente e o mais forte. E esse será também o que me conquistará !

O mais velho dos quatro baixou a cabeça. Parecia vergado por um peso enorme. Talvez o peso da própria consciência.

- Senhora, o que pedis é realmente terrível!... Assim se destruirá para sempre a amizade dos quatro irmãos. Uma amizade que vale como exemplo, Senhora! A resposta dela foi cruel, mas excitante:

- Eu só poderei pertencer a um de vós.e não aos quatro! Não pensais assim? O homem hesitou ainda, antes de falar. Por fim, as palavras saíram em voz soturna:

- Pois será satisfeito o vosso desejo, senhora. Vou à procura dos meus irmãos!

Mas logo a jovem formosa, intencionalmente aproximou-se dele e apontou para bem perto.

- Não vos canseis. Eles já estão à vossa espera, lá em baixo. Foi um encontro brutal. Os quatro irmãos (antigamente tão amigos e unidos, como outros não havia) olhavam-se agora cheios de rancor.

Pela primeira vez nascera o ódio entre eles. Um teria de matar os outros, para mostrar que era o mais forte e o mais valente. E conquistar aquela mulher estranhamente bela, que os olhava lá de cima, como que envolta numa auréola de luz. De luz ou de fogo?...

A luta começou. Luta de vida ou de morte. De qualquer modo, luta de tragédia, entre quatro irmãos que até bem pouco antes eram exemplo de compreensão e lealdade!

O mais velho foi afinal o primeiro a sucumbir. Depois outro. E logo outro. Por prodígio, aquele que conseguira resistir até ao fim era o mais novo. Mas também pouco lhe restava de vida. Ele bem o compreendeu, ao olhar os corpos dos irmãos caídos por terra.

E então, sem voltar a olhar sequer lá para o cimo, onde estava a mulher desejada, começou a arrastar-se, com as poucas forças que lhe restavam, a caminho da igrejinha que ficava próximo dali.

Foi desse modo que lá conseguiu chegar. Esvaindo-se em sangue.

Morrendo aos poucos.

Quis levantar-se, mas caiu nos braços do prior.

- Padre, meu bom padre. ajudai-me!

O sacerdote impressionou-se.

- Meu Deus! Nesse estado. Mas que aconteceu?...

Em voz agonizante, mal se ouvindo por vezes, o pobre rapaz, único sobrevivente dos quatro irmãos, contou a sua história triste. Triste e dolorosa. O padre benzeu-se rapidamente e benzeu o moribundo.

- Meu pobre filho. Tu e os teus irmãos foram certamente enganados pelo Demónio, na figura de uma mulher perversa.

E suspirando, de olhos erguidos ao céu:

- Meu Deus, fazei que ao menos se possam salvar as suas almas!

Com muito custo, o sacerdote conseguiu levar o rapaz agonizante ao local onde se desenrolara a terrível e singular batalha. Mas, chegados ai, o jovem não resistiu mais. Tombou também para sempre, ao lado dos outros. De novo estavam juntos, os quatro irmãos!

Lá os enterrou, o bom sacerdote, colocando-os lado a lado, rezando-lhes as últimas orações, para que as almas não se perdessem.

E fosse pelo que fosse, a verdade é que sobre a campa de cada um dos quatro irmãos surgiu, mais tarde, um penedo, que passou a marcar para o futuro a triste sepultura.

E a povoação que depois se ergueu nesse mesmo local a denominar-se a Terra dos Quatro Irmãos. E, mais modernamente, apenas Quatro Irmãos.

____________________________________________________________________

A lenda é originária da freguesia de Sande São Martinho a Norte do Concelho de Guimarães.

Comentando esta história de um ponto de vista menos romântico e mais racional, é óbvio que esta lenda tem um forte conteúdo religioso.

Era comum (e ainda talvez o seja) na era católica inicial, associar o demónio às mulheres. Este relacionamento reflectia os medos e receios que a igreja propositadamente transmitia às populações para que estas não se deixassem cair em tentação.

Especulando na origem desta história, lembro-me que foi enviado para a Gallaecia no séc. VI por ordem do papa São Martinho de Dume. Este, ficou-se pela capital Bracarense e estava encarregado de acabar com as incontáveis práticas de paganismo do Galaicos. A proibição de certos rituais e a mais que frequente associação de tudo o que era negativo às mulheres pode ter originado muitas destas lendas.

Inicialmente, o nosso povo de cultura Celtica-Atlantica venerava as mulheres e tratavam-nas com todo o respeito. Os porcos romanos invasores que destruiu a cultura original relataram que as mulheres lutavam até lado a lado com os guerreiros Galaicos. Além disso, existem muitas esculturas Castrejas e da era megalítica que demonstram a devoção e divinação a que as mulheres eram alvo.

Obviamente, para acabar com tão pérfidas e descabidas crenças (onde já se viu respeitar as mulheres!! Estes pagãos ignorantes que éramos enchem-me de vergonha...), as beleza da mulher foi condenada a obra do diabo e todas as que saiam da estreita linha comportamental católica ficavam com o rótulo de bruxas e sujeitas a serem queimadas vivas nas fogueiras.

Até Maria Madalena, fiel e amante a Jesus Cristo foi conotada de prostituta...

Portanto, nesta lenda é clara a intenção de manipular os hábitos e instintos das populações através do terror.

O que me intriga mesmo é o monumento em si. Os símbolos e alguns dos seus elementos reportam para épocas pré-medievais... Precisamente a época em que São Martinho de Dume chegou às terras Galaicas...

7 comentários:

Suevo disse...

Já que falas em paganismo, como é que estás a pensar celebrar o solesticio?

O Galaico disse...

Caro compatriota Suevo.

O meu solstício deverá ser passado a trabalhar toda a tarde e parte da noite!

Apesar de saber que no dia mais longo do ano, tanto a partir da meia noite como no fim do dia, muitas "bruxas" preparam as suas mezinhas, não costumo celebrar o facto.

A verdade é que se calhar celebramos-os todos. O São Jõao festeja-se a 23 de Junho. Quem sabe se originalmente não se realizava no mesmo dia!

Também não gosto dos WICCA e da sua neo-interpretação dos cultos e crenças pré-cristãs. E impossível saber ao certo como os meus antepassados celebravam este dia importantíssimo do calendário solar e duvido muito que um culto deste tipo consiga representar as incontáveis variações locais dos povos celtizados.

Talvez um salto À citânia de Briteiros seria de louvar. Parar na estrada de montanha onde o balneário castrejo descansa fosse uma boa ideia. Os seus 3 triskeis gravados na laje central são símbolos solares e passando por baixo dela se realizavam os rituais de passagem e transição!

Quem sabe não seria neste dia de transição para o Verão que os nossos antepassados não realizavam as suas?

No fundo, para celebrar o solstício e, se não se for "bruxo" nem pseudo-neo-druída, basta prestar uma homenagem interior a um dia especial e tudo o que ele representava, e ainda representa inconscientemente, para os nossos antepassados étnicos.

Elaneobrigo disse...

Interessante legado esse misterisoso local!

Se tem uma lenda associada, é de concluir que se tratava de um local importante para os nossos antepassados!

Mouras encantadas, bruxas, obra do diabo, a beleza, o pecado... tudo manifestações de manipulação romano-cristã!

Anónimo disse...

recado para o galaico.

como não tens aqui nenhum e-mail, deixo aqui as palavras que te queria dizer.

o vítor, o analfabeto funcional, ameaçou novamente ir-se embora de vez.

por favor censura este comentário. obrigada.

(eu nem sequer li o post, talvez um dia destes)

Kriska disse...

As mulheres são mesmo poderosas, belas, fascinantes e sedutoras! Compreendo por que razão o demónio tem tendências travestis ou quem sabe transexuais dentro de si!

Elaneobrigo disse...

"Um local muito curioso em Cristelo Covo é a Fonte dos Quatro Abades. Conta a tradição que aqui, neste local que é limite de quatro freguesias, se juntavam os párocos das respectivas paróquias aquando da visita pascal."
http://www.freguesiasdeportugal.com/distritoviana/08/cristelocovo/historia.htm

Aqui temos os mesmo elementos. fonte, o numero quatro, local de encontro!....

Cristelo Covo por sua vez fica bem distante das Taipas. Pertence a Valença do Minho!

Anónimo disse...

Aqui em Sande S. Martinho, apreciámos este post. Obrigado.